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Críticas

Real: O plano por trás da história

Economistas em ação.

Por Luiz Joaquim | 26.05.2017 (sexta-feira)

Sugerido, ora veladamente, ora não, como um dos títulos que estimulou a polêmica retirada de sete filmes da competição do 21º Cine-PE: Festival do Audiovisual, Real: O plano por trás da história (Bra., 2017), de Rodrigo Bittencourt, teve sua estreia deflagrada ontem (25) no circuito exibidor nacional. O que pode sinalizar a definição (ou não) de um outro longa-metragem para a abertura do festival pernambucano – ainda sem data oficial, após nota em 11 de maio, da BPE Produções, divulgando sua suspensão temporária.

Adaptado do livro 3.000 dias no bunker: Um plano na cabeça e um País na mão, de Guilherme Fiuza, o filme é fruto de um projeto tenso desde seu nascedouro. Por ocasião da seleção de elenco, o ator Herson Capri – que fora convidado a interpretar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso –, chegou a divulgar que o motivo de sua recusa surgiu ao ler o roteiro e entendê-lo como uma peça de propaganda política do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

A primeira informação que Real, o filme, nos dá na tela é a de que a história a ser contada aconteceu mas teve algumas falas adaptadas por “questões dramatúrgicas”.  A julgar por uma diversidade de rasos diálogos ali mostrados, é bem fácil perceber a pobreza da adaptação feita por Mikael de Albuquerque para o formato cinematográfico.

Enquanto alguns dados do “economês” parecem bem resolvidos para o público leigo (dando a idéia de que saíram integral e fielmente ao livro), outras conversas que podem ser consideradas triviais (com uma lógica mais própria de um roteiro original) soam aqui involuntariamente cômicas.

É ainda cômico (no caso, aqui, também involuntário) ver no filme a personalidade de um volume razoável de políticos ainda hoje atuantes sendo representados por outro volume grande de atores de rostos já bastante conhecidos. Com alguns dando bem a conta do recado, e outros nem um pouco.

Curiosamente, a primeira sequência de Real é empolgante do ponto de vista do diálogo e da interpretação. Mostra dois jovens economistas formados em Harvard (EUA), com suas namoradas num restaurante carioca no início dos anos 1990. O encontro amigável logo se torna hostil quando ambos começam a divergir sobre o caminho mais interessante para a economia brasileira de então, que vinha cambaleante sob uma hiperinflação após fracasso dos sucessivos planos Sarney, Verão e Collor.

Com referências históricas, e pautado por uma erudição própria da Economia, o bate-boca nessa abertura desenha rapidamente o perfil político e psicológico dos dois, até então, amigos. Um com uma inclinação neo-liberal e o outro com anseios mais voltados para o social. Um frustrado após uma carreira brilhante na universidade, tendo tornado-se professor, e o outro feliz pelo êxito com o novo emprego numa multinacional na Inglaterra. Um atrofiadamente vaidoso e o outro bem resolvido com sua vaidade.

É no primeiro que Real está interessado. Ele é o economista Gustavo Franco (Emilio Orciollo Netto, defendendo com particular felicidade seu personagem aqui) e é nele que o filme de Bittencourt seguirá até o fim para ilustrar os bastidores da história que gerou o Plano Real.

Dividido em dois tempos, o roteiro amarra a linha narrativa entre 1993 até 2003, alternando a entrevista dada por Franco, no ano mais recente, para uma jornalista (Cassia Kis Magro) no mesmo dia em que ele irá enfrenta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Lá ele precisa responder como ex-presidente do Banco Central sobre desvio de US$ 30 bilhões do País via Banestado.

No decorrer daqueles anos, Real apresenta Franco em sua escalada sem pudor e nem critério em poupar sua namorada e depois esposa (Paolla Oliveira) além dos colegas no governo para, primeiro, implantar o plano que bolou com sua equipe para a nova moeda do País e, depois, para tornar-se o presidente do Banco Central.

O desenho feito pelo roteiro para compor Franco no filme soa bem mais acentuado que o de um vaidoso, arrogante e inflexível. Para além disso, o Franco do filme parece um obsessivo sem nenhuma outra necessidade na vida além do reconhecimento profissional.  E, apesar do traço monocromático do personagem, Orciollo Netto o defende de maneira corajosa e firme.

Real, o filme, na verdade titubeia entre apresentar seu protagonista como um gênio incompreendido, ou como um louco mergulhado no seu orgulho. Resulta um “herói” antipático, pelo qual não se vislumbra espaço para a compaixão do espectador.

 

E, de um modo geral, o resto do elenco passa por situações sofríveis do ponto de vista da dramaturgia, como as vividas por Itamar Franco (Bemvindo Siqueira, cômico), FHC (Norival Rizzo, esforçando-se) o diplomata Rúben Ricúpero (Ricardo Kosovski), José Serra (Arthur Kohl). Salvam-se Tato Gabus Mendes (como Pedro Malan) e Guilherme Weber (como Pérsio Árida) além de Cássia Kis e Mariana Lima, como o fiel braço direito de Franco.

Controvérsias

Entremeado por diálogos que muito provavelmente não vieram do livro, Real acaba por injetar ao longo de seu enredo algumas pontuações que fazem entender a leitura que se faz de uma posição de direita no filme. Uma, talvez, mais emblemática esteja numa fala de defesa de Franco diante da CPI, para um deputado do Partido dos Trabalhadores (Juliano Cazarré), que é integrante da Comissão Investigativa.

Um tanto deslocado do contexto, esta fala de Franco ressalta o belo trabalho feito pelo juiz Sérgio Moro realizado em Curitiba (estamos em 2003), como uma justificativa para sua defesa na investigação da CPI.

Conforme a estrutura dos diálogos – “teremos de voltar daqui a dez anos para consertar o que vocês vão fazer”, diz ele –, os argumentos de Franco soam quase como imbatíveis. Deixando, com certa claridade, a ideia de que aquele homem, ainda que louco de vaidade, está sempre certo, enquanto a ideologia do outro grupo político não.

Complicado.

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