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Festivais

12. CineOP (2017) – noites 3 e 4

Mostra mineira nos deu um tesouro pernambucano e outro carioca, e uma revelação paulista no fim de semana

Por Luiz Joaquim | 26.06.2017 (segunda-feira)

OURO PRETO – Você  sabe que uma obra ganhou destaque na programação de uma mostra ou festival de acordo com sua posição dentro deste evento. Por este raciocínio, a agenda daquela que é a mais antiga animação pernambucana ainda possível de ser projetada nos dias de hoje indica que tal trabalho – o curta-metragem Vendo/Ouvindo (1972), assinada por Lula Gonzaga e Fernando Spencer – foi compreendida como valiosa pela curadoria do 12o CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto.

E de fato, a obra, com duração de seis minutos, só pôde voltar às telas, depois de décadas, após tratamento e digitalização em 2K, num projeto tocado por Tiago Delácio (filho de Lula) com o jornalista André Dib a partir de sua copia original em 8 mm.

Dentro de um espírito bastante experimental, simples e provocador, o filme apresenta-se como uma peça de reflexão sobre o complexo mundo de então, com elementos básicos da animação e sua simbologia.

O que temos são apenas olhos, orelhas e boca reagindo a discursos em off, ora falado, na abertura (o único momento tecnicamente ainda sofrível do curta), ora com sons e músicas emblemáticas de uma época em que a hegemonização da mídia corporativa já era colocada em discussão.

Frame de “Vendo/Ouvindo”

É por uma avalanche de informação sonora dada pelo rádio ou pela tevê, com trechos do televisivo A discoteca do Chacrinha e canções como Ouro de tolo e Mosca na sopa, de Raul Seixas, que Vendo/Ouvindo quer discutir a nossa posição na sociedade.

Ainda em sua abertura, um deleite para cinéfilos pernambucanos: os próprios Lula Gonzava, Fernando Spencer e também Firmo Neto alternam suas cabeças, rugindo, por meio de um buraco sob um fundo azul, dublando o rugido do leão que abria os filmes da Metro-Goldwyn-Mayer. O que remete à pergunta: seria este o único registro de imagem em movimento acessível daquele que foi uma fundamental figura para o cinema pernambucano, Firmo Neto?

“Como certa vez disse Kleber [Mendonça Filho], isso [o restauro e digitalização] é um pequeno gesto, é um carinho que a gente faz diante de um acervo gigante que precisa de atenção”, lembrou André Dib por telefone. O jornalista e produtor destacou também que a presença de Firmo no projeto foi fundamental, viabilizando essa primeira investida de Lula Gonzaga na animação, ao emprestar seu estúdio para a produção.

CASO DE POLICIAVendo/Ouvindo abriu a sessão daquele longa-metragem que era, certamente, um dos mais esperados desta edição do CineOP. Taí um primeiro indício de seu prestígio. Passou no horário nobre de ontem (25), às 20h, no principal palco do CineOP, o Cine Vila Rica.

O longa que exibiu colado ao curta foi É um caso de polícia! (1959). Obra cuja própria história pela qual passou sua produção, há 58 anos, até chegar a sua primeira exibição no Rio de Janeiro, e a de ontem (25), se mostra tão curiosa quanto o seu enredo ficcional.

Dirigido e protagonizado por uma mulher, respectivamente Carla Civelli e Glauce Rocha (a primeira investida da atriz num longa-metragem) -, o filme já se apresenta por isto mesmo como um ponto de inflexão numa década em que estas duas posições ocupadas por mulheres eram praticamente nulas.

Como se não bastasse tal curiosidade, É um caso de policia! carregava a não tão incomum pecha do esquecimento e descaso da memória do cinema brasileiro. O filme nunca foi lançado comercialmente, tendo ficado sua cópia – segundo explicou Patrícia Civelli (sobrinha da diretora) na apresentação da sessão de ontem – por vinte anos guardados num armário da diretora.

“Após sua morte, a cópia foi queimada, e só depois de 40 anos conseguimos iniciar um projeto de resgate e restauro do filme”, explicou. Patrícia aproveitou o espaço para desabafar a negativa de uma comissão de avaliação municipal do Rio de Janeiro que negou a aprovação no projeto de restauro da obra justificando que “a diretora não tinha prestígio entre seus pares na época”.

“Ainda que tivéssemos conquistado o compromisso com a telefônica ‘Oi’ para investir num projeto importante como este, não tivemos aprovação da prefeitura”, desabafou.

A sessão de ontem, portanto, foi sua segunda pública de É um caso de policia! e é triste que além de Carla Civelli e estrelas brilhantes de seu elenco, como Glauce Rocha (1930-1971), Sebastião Vasconcelos (1927-2013), Cláudio Corrêa e Castro  (1928-2005) e Renato Consorte (1924-2009), não estavam vivos para testemunhar a alegria que a obra provocou nesta sua inicial platéia.

Criado a partir de um argumento de Dias Gomes, e também roteirizado por ele (com Cialli), esta comédia de erros se passa entre um domingo e uma terça-feira. Na manhã do dia de descanso, a aficionada por histórias de tablóides policiais, Belinha (Glauce), vai a São Conrado (RJ) com seu noivo Godofredo (Vasconcelos).

Lá ela escuta, acidentalmente, a conversa entre dois homens sobre o plano de matar uma mulher. Decidida a evitar o crime, e sem o apoio do noivo, ela sozinha resolve investigar o caso.  O que se segue é uma sequência de mal-entendidos muito bem articulados pelo roteiro afiado de Gomes.

Glauce com Corrêa e Castro, em particular, promovem momentos de carisma incrível, que geraram gargalhadas sinceras no público de Ouro Preto. A direção de Civelli, para um primeiro filme, é também incrivelmente segura, dando um ritmo que, sabe-se, é difícil de construir quando se trata de uma trama cômica (que ainda namora a atmosfera do cinema noir).

Outro ponto que fez abrir bastante os olhos do público foram as locações do filme, mostrando espaços cariocas como Laranjeiras, Ipanema, Gávea, Leblon, São Conrado e o morro da Rocinha completamente diferentes, obviamente, de como os conhecemos hoje.

ESCOLA DE CINEMA – No sábado (24) um projeto, em sua primeira exibição pública, e que foi feita por um egresso da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, o realizador Ângelo Ravazi, nos chegou como um delicioso presente sobre a recente história do cinema brasileiro, protagonizada por seus principais pesquisadores e pensadores acadêmicos.

Leia-se Paulo Emílio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet, Ismail Xavier, Maria Rita Galvão, Maria Dora Mourão, Carlos Augusto Calil, Carlos Roberto Souza além de outros nomes exemplares – como André Klotzel e Alain Fresnot – que iniciaram sua relação com o cinema pela ECA.

Em 70 minutos, Ravazi com seu filme Escola de cinema nos situa inicialmente dentro do conturbado contexto político da segunda metade dos anos 1960, por ocasião do projeto de  Nelson Pereira dos Santos, com Paulo Emílio e Jean-Claudet, na criação do curso de cinema na Universidade de Brasília e seu posterior desmonte; assim como a conseqüente criação do curso na USP, no final de 1968, da qual Xavier integrou a primeira turma.

Ismail Xavier (e Ravazi, à direita) em cena de “Escola de Cinema”

Com imagens de arquivo que trazem a inteligência, o fervor e a audácia de Paulo Emílio no sentido de repensar a história do cinema brasileiro e de como ensiná-la na USP, o filme reconstrói esse momento também pela atual memória dos seus discípulos, sem esquecer de dados raros sobre o heróico empreendimento que fundamentou também o conceito da Cinemateca Brasileira (SP) como a conhecemos hoje.

Simples, eficaz e sedutor, Escola de cinema parece ultrapassar seu objetivo, quando agrega, pelo recontar do trajeto de um curso de cinema, dados valiosos à memória de como se elaborava naquele momento o pensamento intelectual sobre o moderno cinema brasileiro.  Filme obrigatório (e agradável).

*Viagem à convite do CineOP.

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