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Festivais

12. CineOP (2017) – Salles e Rosemberg Filho

‘No intenso agora’ e a alegria (e o vazio) pela consciência, e Rosemberg Filho revisto por Cavi e Caselli

Por Luiz Joaquim | 27.06.2017 (terça-feira)

OURO PRETO (MG) – Já ao final de seu documentário, No intenso agora (Bra., 2017) – exibido ontem (26) como peça de encerramento do 12o CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto –, João Moreira Salles concentra na penúltima imagem mostrada uma síntese que, alinhada com a posterior e última imagem da obra, pode funcionar como uma síntese à reflexão para a qual o diretor nos convida a participar.

Cohn-Bendit, 1968

A tal penúltima imagem mostra, congelado, o exato momento em que uma jovem, que fala ao telefone, olha para a câmara. A personagem, sem nome, já é conhecida do espectador. Ela integrava um serviço – apresentado anteriormente no filme – entre os estudantes parisienses em Maio de 1968, durante a revolta liderada por Cohn-Bendit que paralisaria a cidade numa ação que também envolveria os trabalhadores, e viria a reverberar em todo o mundo, com efeitos reconhecíveis até os dias de hoje.

A última imagem é também silenciosa, mais visualmente ruidosa. É o filme dos Lumière, A saída dos operários da fábrica, que aqui ganha um particular significado de libertação, diante de tudo o que foi proposto pelo realizador nos 125 minutos anteriores.

Construído inteiramente a partir de imagens de arquivo, Salles dá logo o norte para onde irá na abertura de No intenso agora, quando, em off, em tom pessoal, vaticina: “Nem sempre sabemos o que estamos filmando”, soando quase como um ensinamento daquele documentarista que lhe foi muito caro nos últimos 15 anos: Eduardo Coutinho (1933-2014).

É pelas brechas geradas por essa espécie de ignorância dos autores destes materiais de arquivo– alguns sem identificação alguma– que Salles vai buscar respostas para tentar entender qual a dinâmica daquela sociedade jovem, de espírito revolucionário, e onde nascia a fagulha da felicidade por trás de tudo aquilo.

Por esse caminho é colocado em primeiro plano, pela observação do diretor, a tímida presença feminina na parisiense Maio de 68, e a periférica e acanhada presença do negro nos mesmos movimentos.

Ainda nesse apanhado, Salles relaciona a morte de militantes, como a do estudante brasileiro, Édson Luiz de Lima e Souza, ferido num confronto com os militares em março do mesmo ano, no Rio de Janeiro; e também a inquietação juvenil, mesmo que assustada, dos jovens em Praga, destacando o suicídio do estudante checo Jan Palach, que ateou fogo no próprio corpo, em 1969, em protesto contra a invasão de tanques de guerra soviéticos no ano anterior.

Tudo isso é no filme também relativizado com o sofrimento individual de pessoa próximas (ou não) destas vítimas de suas próprias revoluções, levantando também a seguinte questão: qual a validade de seus sacrifícios se o luto não for acompanhado por uma gigantesca mobilização popular.

Subjacente a estes questionamentos sócio revolucionários (e aos seus resultados), Salles nos apresenta, por toda a extensão do longa-metragem, imagens amadoras feitas por sua mãe numa viagem feita à China, dois anos antes, 1966, quando ela viria ter um contato imediato com a cultura maoísta.

Contato, intuído por Salles, que a teria transformado, em alguma escala, diante de um mundo tão distante do qual vivia.

É por aquela experiência com aquele então novo contato político-social de sua jovem mãe na China, em contraste com o estímulo político-social dos igualmente jovens franceses lutando pela mudança do Status Quo, que o diretor costura sua obra. E esta parece ser a real validade de seu investimento neste intrigante trabalho.

Sem explicitar no filme um drama pessoal, o de ainda muito jovem tomar conhecimento do suicídio da mãe, Salles parece em No intenso agora querer encontrar respostas para perguntas que nem deveriam ser feitas, ao menos não no sentido objetivo da busca da verdade. Mas, que de qualquer forma, nos ajudam a rever nossa própria história e como nos movimentamos dentro dela.

Por essa lógica, No intenso agora soa como um daqueles filmes necessário de ser visto no confuso Brasil de 2017, cujas movimentações sociais de 2013, também estimuladas por estudantes, parecem ter deflagrado na sequência algo fora das proporções que qualquer sociólogo poderia prever.

Salles termina sua obra, por fim, congelando a felicidade no rosto da jovem revolucionária parisiense, que também poderia ser sua mãe, e a contrapõe com a liberdade da classe operária livre da burguesia. Há esperança? Ou estamos condenados ao fracasso, ainda que determinado pelo fim que virá a todos e a cada um?

ROSEMBERG – Um outro documentário chamou a atenção no 12o CineOP, primeiro pelo seu objeto de observação, o cineasta Luiz Rosemberg Filho, e, segundo, pela forma como seus realizadores, Cavi Borges e Christian Caselli, resolveram o filme Rosemberg: cinema, colagem e afetos (Bra., 2017).

Na apresentação da sessão, no sábado (24), Cavi lembrou da alegria de estar ali uma vez que foi o CineOP o responsável por localizar duas obras de Rosemberg que eram dadas como perdidas (sendo uma delas o emblemático O jardim das espumas, 1970).

Cinema, colagem e afetos é o típico documentário fruto de encontros entre dois criadores que, pelo encontro, abre a cabeça tanto de um, como a do outro. Neste caso, mais particular, Cavi, 41 anos, e Rosemberg, 73, são filhos do mesmo pai, o cinema, mas vindos ao mundo em tempos distintos.

O bem-vindo esbarrão entre os dois estimulou Cavi não apenas a resgatar ao País a importância de Rosemberg na história do moderno cinema brasileiro – no Rio de Janeiro, o veterano realizador teve neste junho uma retrospectiva produzida por Cavi (com Renato Coelho) exibindo 41 de seus filmes –, como também gerou novas obras necessárias aos dias de hoje em nossa cinematografia: Dois casamentos (2014) e Guerra do Paraguay (2016), dirigidas pelo veterano, produzidas pelo jovem.

Luiz Rosemberg Filho, em foto de Biel Machado, em Tiradentes, 2015

O novo documentário exibido no CineOP é a maior prova da sintonia entre Cavi, com Christian, e Rosemberg (ou apena ‘Rô’, para quem lhe é próximo). Isto porque há ali uma fluidez narrativa que ressalta o frescor dado pela mão dos dois jovens realizadores, muito bem casada com o frescor do pensamento lúcido e altivo do cinebiografado.

E não apenas por isto. Em Cinema, colagem e afetos a forma dada para contar a história de vida e criativa de Rosemberg é construída no mesmo espírito esteticamente livre pela qual o veterano pautou sua carreira.

Nessa costura, ou colagens, de informações, conseguimos conhecer muito do universo inspirador de Rosemberg, e a razão dele existir. O interesse pela colagem (e o porquê do interesse), a sofrida relação com a censura brasileira, os anos na Europa, e a violenta inspiração do feminino em sua obra. Está tudo lá, bem dosado, mas também deixando claro que Rosemberg é inesgotável em suas invenções, e que muito ainda há a descobrir sobre o valor de seu legado.

Coproduzido pelo Canal Brasil, Rosemberg: cinema, colagem e afetos deverá estar na grade da tevê paga nos próximos meses.

 *Viagem a convite do CineOP

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