Mulher-Maravilha (2017)
Uma super-heroína para admirar.
Por Luiz Joaquim | 02.06.2017 (sexta-feira)
Alguém duvida que houvesse melhor época que 2017 para a DC Comics e a Warner Bros. lançarem seu Mulher-Maravilha (Wonder Woman, EUA, 2017)? Talvez sim, mas só até ver o filme, pois está lá um dos melhores aproveitamentos de um super-herói, desculpe, super-heroína para o cinema dentro de questionamentos sociais de seu próprio tempo e que dominam (com justiça) todas as atenções do mundo de hoje: o respeito à mulher e ao seu espaço na sociedade.
A altivez da Princesa Diana – a guerreira amazona que vai ao ocidente ajudar a salvar o mundo da opressão nazista na 2ª Guerra – fala por si só. E tudo está lá, posto com a mais absoluta autonomia de nossa protagonista, mas também com humor e, por que não, um pouco de romance.
Dirigido por uma mulher (Patty Jenkins, do ótimo Monstro: desejo assassino) e roteirizado por um homem (Allan Heinberg) a mais nova mina de ouro de Hollywood chega com força, mas também graciosidade – aquela característica própria da harmonia, historicamente vinculada às mulheres – e pode fazer um efeito em suas juvenis espectadoras tal qual fez, por décadas, nos meninos quando eles viam nos seus Super-homens, Batmans, Homens-aranhas e Homens-de-ferros um exemplo a seguir.
Afinal, não é pouco ouvir de uma mãe para uma menina que a humanidade não lhe merece. Como também é impactante ouvir da boca de uma mulher guerreira a assertiva com muita propriedade de que ela é a ponte para o equilíbrio entre os homens. É para os homens ouvirem calados, como assim o faz o herói masculino da história, aqui em segundo plano.
Num outro recado feminino, mas sutil, nesse belo trabalho, vemos a heroína, a certa altura, prestes a matar a vilã Dra. Maru (Elena Anaya) e, por uma circunstância do enredo, ela entende que a malvada, que é do seu mesmo sexo, é apenas mais uma vítima de uma circunstância maior.
A Mulher-Maravilha que nos chega é uma heroína que é essencialmente boa, e não concebe que o sofrimento se manifeste em nenhuma escala, principalmente sobre as crianças. É uma heroína que se desarma quando vê um bebê e que descobre o sorvete como se descobrisse uma das maiores alegrias da vida. Ela também sabe que para experimentar os prazeres da carne, não precisa necessariamente dos homens. E que, ainda assim, permite que eles participem de sua vida íntima.
Dá até para arriscar dizer que desde Superman: O filme, dirigido por Richard Donner (e olha que já se vão 39 anos) não nos chegava pelo cinema um exemplo de heroísmo que mesclasse num mesmo corpo tanta abertura à bondade casada com tanta demonstração de força para a luta.
Aos especialistas em super-heróis que foram adaptados ao cinema, cabe fazer um retrospecto das últimas quatro décadas para, nesta revisão, facilmente enxergar que os super-heróis masculinos (e eles dominaram quase que a totalidade do espaço nestes 40 anos) foram embrutecendo (no físico e na postura), e ficando cada vez mais longe daquele Clark Kent equilibrado e justo dos anos 1970.
E as poucas heroínas que tiveram seu pouco espaço nesse mesmo período também não pareciam muito distante desse perfil masculino, no sentido mais sem graça do que se entende por masculino. É só lembrar das Mulheres-gato, das Lara Crofts, das Viúvas Negras e Arlequinas da vida. Elas funcionaram no cinema como máquinas, autômatos, focadas num objetivo e funcionando como um trator desgovernado que passa por cima daqueles que se opõem ao seu caminho, sem prestar atenção ao que está ao seu lado. Há pouco de humano nisso, há pouco de feminino.
Ironicamente, a Mulher-Maravilha é uma deusa. Mas que se apieda dos humanos, e, olha só, prega que o que pode salvar o mundo é o amor que há nos homens.
É difícil imaginar um super-herói masculino falando isso em 2017 em alto e bom som muito bem equalizado num sistema de canais 7.1.
É o caso sim, de celebrar a chegada, não de qualquer Mulher-Maravilha, mas desta Mulher-Maravilha, tão bem defendida pela Gal Gadot (uau!). E faz desejar que, assim como Gilberto Gil fez, ao sair atarantado de uma sessão de Superman: o filme, em 1978, voltou caminhando para seu apartamento – o qual dividia com Caetano Veloso no Rio de Janeiro – e, na mesma noite, compôs Super-homem, a canção, que, quem sabe, alguma poeta ponha seu talento para fora e componha Mulher-maravilha, a canção.
O FILME – Mas é preciso registrar que, se não quisermos dar descontos pela importância e altivez da protagonista, se faz necessário registrar que Mulher-Maravilha, o filme, é irregular. A primeira parte, com a tradicional apresentação da heroína para aqueles que não tem intimidade com o seu mundo original, o do HQ, carrega uma atmosfera talvez exagerada nas sequências da isolada ilha de Temiscira.
Há uma insistência nos efeitos especiais para as cenas de treinamento de guerra com a mulherada sem parar de dar pirueta no ar, em câmera lenta, enquanto empunha uma espada. Por outro lado, na primeira sequência em que Diana, como Mulher-Maravilha, enfrenta os alemães num front da Guerra, tudo nos chega com um grau de envolvimento cinematográfico num outro patamar, ainda que também carregado de efeitos especiais, como não poderia deixar de ser em 2017.
Muito dessa beleza está na galhardia com que Gadot assume sua protagonista. Ajuda também a boa química impressa na tela com seu par (romântico?) masculino, o espião inglês Steve (Chris Pine).
Há no desfecho, um certo desleixo aqui e ali deixado pelo roteiro, mas nada que fere, enfim, o conjunto da obra. O que fica mesmo, ao final da sessão, é aquela boa e cada vez mais rara sensação de que o cinema nos deu novamente um super-herói, perdão, uma super-heroína para admirar não só pela força, mas pelo caráter e, por que não, pela graciosidade.
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