O filme da minha vida
Selton Mello dirige seu terceiro longa, tão pessoal quanto doce.
Por Luiz Joaquim | 01.08.2017 (terça-feira)
Há amor no mais recente filme de Selton Mello. Mas… que maneira mais boba é essa de começar uma crítica cinematográfica depois de Godard (ou teria sido Truffaut?) ter vaticinado que todo filme é um filme de amor. É claro que há amor em O filme da minha vida (Bra., 2017) – em cartaz a partir deste 3 de agosto –, a questão é: o que Mello fez dele neste terceiro longa-metragem que assina como diretor?
Fez um bolo, bonito, com sabor, mas talvez um tanto doce. O filme da minha vida¸ baseado no romance Um pai de cinema¸ do chileno Antônio Skármeta (autor também de O carteiro e o poeta e No, ambos já transpostos ao cinema) apresenta-se, em primeiro lugar, pela beleza esfuziante da fotografia refinada de Walter Carvalho.
Diante dessa beleza nada mais parece importar até que, a certa altura, O filme da minha vida engata naquilo que mais interessa (e sempre interessará no cinema) o drama humano.
A crença (seguida pela decepção) da validade absoluta de uma obra cinematográfica apenas pela sua beleza plástica pode ser resumida em um silencioso momento que Mello registra com inteligência neste O filme da minha vida.
Acontece quando Petra (Bia Arantes), que é a mais bela mulher de um pequeno município nas Serras Gaúchas no início dos anos 1960, onde e quando se desenrola o enredo, está em seu quarto olhando os troféus que ganhou pela sua beleza. O olhar de Petra não é de orgulho, alegria pela vitória de sua beleza, mas de tristeza. Como o de uma consciência de que aquilo lhe tem uma serventia relativa e limitada.
O quanto vale a beleza física se ela vem isenta de consistência humana? De que vale um filme fotografado de forma exímia se não ele não acessa a alma do espectador?
Mas… aos poucos, Mello vai trazendo a essência do livro de Skármeta ao primeiro plano. Quer dizer, nos leva junto na jornada de Tony (Johnny Massaro, o Cesário da telenovela A regra do jogo), um jovem professor de francês afetado pela ausência do pai, Nicolas (Vincent Cassel), que partiu de casa e lhe deixou com sua solitária mãe, Sofia (Ondina Clais, de Meu amigo hindu).
Tony é apaixonado por Luna (Bruna Linzmeyer, de A frente fria que a chuva traz), irmã mais nova de Petra. Mas é tímido o suficiente para não avançar numa investida amorosa nesta garota que aprendeu fotografia com o pai. Há ainda, circundando a vide de Tony, a figura truculenta e simpática de Paco (Selton Mello), que costuma estar perto da solitária mãe de Tony, flertando-a, meio atrapalhado.
A fragilidade no início de O filme da minha vida está exatamente nos seus primeiros minutos de apresentação dos personagens – algo quase religioso em roteiros de um modo geral, neste aqui, adaptado por Mello com Marcelo Vindiccato.
Selton e Vindiccato parecem confiar demais em algumas frases de efeito que não geram o bom efeito pelo modo como são trazidas no contexto. O melhor exemplo, talvez, esteja na própria primeira fala de Paco que deveria gerar impacto, na ocasião em que ele explica a Tony a diferença entre um porco e um homem.
A narração em off do protagonista, abrindo o filme com as lindas imagens que registram a exuberância da natureza nas locações formadas por sete cidades gaúchas, incluindo Bento Gonçalves, parecem mais afastar que atrair. Talvez pelo tom solene. Uma solenidade que não teve tempo de se estabelecer em tão poucos minutos da projeção inicial.
Até que, a certa altura, Mello começa a acertar naquilo que parece ser seu maior conhecimento com diretor. A direção de atores. Sendo ele próprio um craque na atuação, Mello sabe da potência que um rosto pode gerar. Cercado de gente igualmente competente, o diretor não poupa closes que fazem sentido, e nos aproxima do incômodo pelo qual passam seus personagens.
Não dá para deixar de elogiar a performance de nenhum deles aqui. Desde o protagonista Massaro, até a coadjuvante Martha Nowill (de Entre nós) como a prostituta Camélia. Todos têm seu momento (ou mais de um) e eles são aproveitados ao máximo com Mello cuidando, indubitavelmente com extrema consciência, de registrar as sutilezas dos movimentos na paisagem de seus rostos, isto sim, aqui magnético.
E ainda que um “causo” contado pelo maquinista, aqui vivido por Antônio Boldrin, nem valha tanto para o contexto do enredo – apesar de amarrar-se depois a um delírio de Tony -, ainda assim ele é magnético pelo plano na superfície do rosto do ator.
E há ainda em O filme da minha vida a alegria de relacionar o drama do protagonista com uma sala de cinema (tal qual ocorre em O carteiro e o poeta). É para lá, o cinema ‘Rex Fronteira’ (na verdade, um teatro adaptado em Bento Gonçalves) que Tony leva Luna. E sua vida muda para sempre.
O filme em exibição é Rio vermelho (1948), de Howard Hawks, contando o conflito de um rico fazendeiro (John Wayne) com seu filho adotivo (Montgomery Clift). A paternidade, o deslocamento e a transformação de um menino em homem, enfim, pautando tudo aqui
E se, com tanta alegria e dedicação dramática e artística, o espectador ainda não conseguir enxergar amor em O filme da minha vida, atente apenas a uma sequência, aquela em que Tony acorda da febre e sua mãe sussurra baixinho: “Dorme”.
Aquilo é amor.
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