50. Brasília (2017) – noite 1
Abertura: Nachtergaele soltou um “Fora Temer!” e Brasil conheceu “Não devore meu coração!”, de Bragança.
Por Julio Cavani | 16.09.2017 (sábado)
*na foto de Rômulo Juraci equipe de Não devore meu coração! apresenta o filme no Cine Brasília.
Uma performance de Matheus Nachtergaele (encerrada com um “Fora Temer”), uma homenagem a Nelson Pereira dos Santos e mais alguns momentos de solenidade abriram, na noite de ontem (15), a programação do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O longa-metragem de abertura (fora de competição) foi Não devore meu coração!, que passou pelos festivais de Sundance e Berlim, além de ter sido produzido com apoio do fundo Hubert Balls do Festival de Roterdã, credenciais internacionais que tornam o filme, até então inédito do Brasil, oportuno para a ocasião especial (o diretor Felipe Bragança também esteve na Quinzena dos Realizadores de Cannes em 2010 com o longa A alegria).
A trama narra o amor de um adolescente branco por uma menina índia na fonteira entre o Brasil e o Paraguai, sob efeito dos ecos remanescentes da guerra travada entre os dois países entre 1864 e 1870. No papel de um motoqueiro envolvido em batalhas de gangues, Cauã Raymond interpreta o irmão mais velho do garoto. Ney Matogrosso também está no elenco.
A mostra competitiva começa hoje (16) com os curtas O peixe (PE), de Jonathas de Andrade, Nada (MG), de Gabriel Martins, e Peripatético (SP), de Jéssica Queiroz, e com os longas Música para quando as luzes se apagam (RS), de Ismael Caneppele, e Vazante (RJ), de Daniela Thomas.
CRÍTICA – O ponto de exclamação no final do título de Não devore meu coração! diz muito sobre o próprio conteúdo do filme. Ele é cheio de intenções exclamativas, mas elas não necessariamente funcionam. Há um potencial de impacto que não se concretiza. Diversas cenas parecem buscar um clímax e esbarram na ausência de uma construção dramática que merecia ser mais gradual para atingir esse resultado pretendido. Talvez um dos problemas também seja um certo excesso de formalismo plástico nas composições, que ficam esquemáticas, nos limites do maneirismo, e engessam a ação dos corpos.
Com essa lacuna, a contribuição do longa-metragem torna-se mais cultural do que artística. Culturalmente, é bastante original e inédito ao retratar uma situação sócio-geográfica raramente explorada no cinema, trilingue (português, espanhol e guarani), com elementos sincréticos, como uma gangue de índios motoqueiros em um lugar onde espadas do século 19 convivem com revólveres, ao som de uma diversidade musical que passa pelo brega, pela música clássica e pela eletrônica, em uma atmosfera situada entre a contemporaneidade e a ancestralidade.
Em momentos pontuais de fenômenos sobrenaturais, o diretor Felipe Bragança retoma o interesse pelo cinema fantástico já manifestado no longa A Alegria e mais uma vez também cruza o pop com mitologias históricas. Por outro lado, a música Objeto Não Identificado, tocada nos créditos finais, sinaliza que a estranheza é mesmo a característica mais interessante da obra, perdida entre o entretenimento jovem e o exercício conceitualista.
* jornalista viajou a convite do Festival.
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