50. Brasília (2017) – noite 6, texto #1
“O Nó do Diabo” e os fantasmas do passado que ainda assombram o presente e o futuro.
Por Julio Cavani | 21.09.2017 (quinta-feira)
*em foto de Rômulo Juracy, equipe do filme O nó do diabo.
BRASILIA – Por causa do conteúdo dos filmes e principalmente dos debates pós-sessões, a representatividade dos negros e negras no cinema brasileiro tornou-se um ponto crucial para o 50. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A discussão ganhou mais lenha na noite de quarta-feira (20) com a exibição de O nó do diabo, que sublinha o horror expressado pela escravidão e seus ecos na sociedade atual.
Quando uma cabeça é explodida por um tiro de espingarda nos primeiros minutos, o público já percebe que não há limites para a violência em O nó do diabo. Formado por cinco contos ambientados em um engenho paraibano em diferentes décadas e séculos, o longa-metragem adota principalmente a linguagem do terror para abordar a questão da escravidão dos negros no Brasil.
Ao utilizar truques do cinema de horror para tratar de temas sociais ainda urgentes, o filme proporciona um efeito de choque no subconsciente da plateia que pode ser mais marcante e efetivo do que em obras de pretensão política mais explícita ou autoafirmativa. Apesar dos elementos sobrenaturais (como mortos-vivos africanos carregados de dignidade), a ligação direta com a realidade contemporânea se faz presente. O primeiro capítulo, por exemplo, é ambientado em 2018 e mostra como o retrocesso democrático do processo de impeachment pode dar origem a uma sociedade mais perigosa principalmente para os mais pobres.
Nessa questão da representatividade, no contexto da mostra competitiva do festival,O nó do diabo sai em desvantagem em relação ao longa baiano Café com Canela. É mais interessante, afinal, assinalar um filme que retrate um negro na profissão de médico, por exemplo, do que na já disseminada condição de escravo.
Apesar dessa revisão nas questões raciais presente nos filmes e discussões, no próprio festival é possível encontrar algumas aberrações, como na propaganda da Petrobras exibida no início de cada sessão: ao divulgar os patrocínios da empresa no setor cultural, o comercial mostra apenas artistas brancos (o único negro presente é um bailarino da companhia de Deborah Colker, retratado de costas em um canto da tela).
*Jornalista viajou a convite do Festival.
** Clique aqui e leia cobertura de Luiz Joaquim para a noite 6 do 50. Fest. de Brasília.
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