50º Brasília (2017) Por Trás da Linha de Escudos
Marcelo Pedroso não dá respostas com o seu novo filme (nem com os anteriores), mas as busca com a plateia
Por Luiz Joaquim | 22.09.2017 (sexta-feira)
*na foto de Humberto Araújo, equipe de Por trás da linha de escudos apresenta o filme no palco do Cine Brasília.
BRASILIA – Penúltima noite (ontem, 21) competitiva do 50o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e finalmente tivemos a exibição daquele longa-metragem que, por aqui, alimentava-se a expectativa de ser o mais delicado em função de sua proposição. A de colocar-se na posição do Batalhão de Polícia Militar de Choque (BPMC) – aquele mesmo que pode agir (e age) com conhecida truculência em conflitos sociais – para tentarmos compreender seus procedimentos e possíveis motivações.
E este filme veio de Pernambuco. Chama-se Por trás da linha de escudos e é o terceiro longa-metragem solo de Marcelo Pedroso.
O filme chega à tela do Cine Brasília quando um dos assuntos mais discutidos em redes sociais foca o depoimento do General Antônio Hamilton Mourão, secretário de economia e finanças do Exército, dado há apenas uma semana, sobre, segundo ele, a possibilidade dos militares assumirem um intervenção pelo poder do País.
Não é preciso continuar desenvolvendo o porquê do quão tenso é mencionar qualquer assunto que envolva militares no Brasil. Imagine, portanto, um documentário que procurar observar o que há de humano neles.
Como se não bastasse, não custa lembrar que estamos em 2017, e a gradação de cinza parece ter perdido sua validade no mundo, e particularmente neste País, cada vez mais colorido apenas pelo preto ou branco.
Nunca Marcelo Pedroso se colocou tanto em seus filmes como em Por trás da linha de escudos e é nesse contexto descrito acima a que ele se expõe. Diretor de riscos, o cineasta pernambucana nunca escolheu o caminho fácil para refletir por meio da imagem quais as possibilidades de efeito que elas causam a partir de seu encadeamento.
Há em Por trás…, inclusive, uma sequencia em que o diretor está diante de uma ilha de edição avaliando imagens que mostram populares de verde e amarelo posando ao lado de militares dentro do contexto de celebração do impeachment da Presidenta Dilma Roussef, em 2016. Colocando-se em primeiro plano, Pedroso nos dá na tela o seu rosto e aciona para nós, logo depois, uma outra imagem de uma ação covarde praticada pelo Batalhão de Brasília.
Se em Pacific (2009), o diretor pôs em xeque aspectos sobre autoria (ou, críticos colocaram para ele), em 2014, com Brasil S/A ele investigou e criou duras alegorias para a noção de progresso. Desta vez, no novo trabalho, coloca-se literalmente no “lugar do inimigo”. A ideia é acessa-lo com alguma liberdade e, quem sabe, dar partida a algum diálogo.
Em debate na manhã de hoje (22), o diretor lembrou de um trecho mínimo do filme, que talvez dure 30 segundos, em que um integrante do BPMC faz um esforço pra evitar o choro ao lembrar do avô. “Em termo do que aquilo representa para aquele soldado, diante dos amigos, diante de uma câmera, me parece algo valioso”, refletiu o cineasta.
As alegorias também aparecem em Por trás… já na abertura e de maneira impactante, enquanto escutamos o realizador ler em off as coordenadas precisas do desenho que forma a bandeira nacional, vemos o símbolo supremo da nação ser invadida por insetos, sob a música tensa de Mateus Alves. Isso é só o início, e também se conecta ao final do filme.
Há ainda um brilhante ponto paradoxal sugerido pelo filme: se está na forma da lei para o Batalhão que ele não podem macular nenhum símbolo nacional (caso contrário será punido), como combater civis que empunhem escudos com a bandeira do Brasil estampada.
O que nos leva a outra reflexão: seriam os símbolos ou uma bandeira mais valiosos que uma vida? Instintivamente sabemos que não, mas o mundo real funciona de maneira mais complexo do que o instinto. E Marcelo Pedroso não nós dá a resposta em seu filme, mas quer chegar a ela junto com seus espectadores.
Noutro momento, a presença do diretor e equipe integrando e participando efetivamente de uma simulação de treinamento de admissão dos policiais – momento em que são submetidos a aprender a suportar o gás lacrimogêneo – também suscita perguntas sobre qual a intenção ali.
E nesse instante, quando Pedroso atira com uma arma no treinamento, talvez tenhamos a imagem mais controversa. A simbologia de um pessoa sustentando uma arma já é forte o suficiente. Atirar com ela, ainda que contra uma lata, torna-se ainda mais intimidadora. Se o efeito do gás lacrimogêneo já era forte o suficiente do ponto de vista dramático para o discurso na narrativa, o tiro com a arma parece não acrescentar muito, a não ser contra esta opção do diretor (ao menos por incluí-la num discurso já contemplado dentro daquele bloco).
O próprio Pedroso, em debate mais cedo, relativizou e revisou a cena, após provocação da plateia, considerando que no momento da cena ela não soava como algo problemático, mas hoje sim. E o que isso significa – o que a proximidade com a polícia promove – falava o diretor, por si só já deve ser motivo para a atenção de todos.
Numa das últimas falas do debate, o critico gaúcho Marcus Mello revelou o tamanho do incômodo negativo ao assistir Por trás da linha de escudos, mais saudava a existência dele e a sua importância hoje.
Uma vez que entendamos que um filme nunca encerra um tema (e sim pode começa-lo), talvez a percepção da importância de uma obra possa ser considerada com mais serenidade, como assim soou o comentou do critico gaúcho.
*o jornalista viajou a convite do Festival.
**o CinemaEscrito registrou trechos do debate do filme, clique aqui para ir à página do site no Facebook e acessar o registro em 2 partes.
***Para ler texto de Júlio Cavani sobre Por trás da linha de escudos, clique aqui
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