50 Brasília 2017- Por trás da linha de escudos 2
Marcelo Pedroso e a tentativa de transformar o outro como parte integrante do outro.
Por Julio Cavani | 22.09.2017 (sexta-feira)
*na foto de Humberto Araújo, Mateus Alves e Marcelo Pedroso
BRASILIA – Por trás da linha de escudos adota uma perspectiva filosófica sobre a instituição policial enquanto símbolo da repressão no Brasil. Apesar de adotar alguns procedimentos de linguagem documentais, o filme não é apenas um documentário “sobre” o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco. O longa-metragem de Marcelo Pedroso vai além dos gestos de retratar ou denunciar, já que elabora uma série de simbolismos explicitamente metafóricos e também se apresenta como uma experiência de imersão do próprio cineasta dentro do objeto de estudo, como uma espécie de performance ou vivência, sem nunca deixar de lado uma postura crítica sobre o militarismo e os métodos violentos da corporação.
Pedroso parece partir da ideia de que a polícia já foi atacada ao longo das décadas e tem sido cada vez mais denunciada graças a novos mecanismos de comunicação cada vez mais independentes. Quem quiser constatar a truculência dos policiais pode encontrar facilmente imagens em canais como a Mídia Ninja no YouTube. O diretor busca uma outra forma de abordagem, situada em um ponto mais indefinido do conflito. Caso a PM seja extinta em algum momento, essa decisão vai ter alguma participação direta de policiais, então o filme investiga que tipo de possibilidade de diálogo pode existir nesse eventual processo.
Por trás da linha de escudos mostra o Batalhão em ação em dois momentos. No primeiro, a tropa ataca os manifestantes do movimento Ocupe Estelita. No segundo, os policiais fazem uma injustificavelmente violenta revista em um presídio para menores de idade.
Por ter feito parte do Ocupe Estelita, Pedroso adota a repressão ao movimento como um dos eixos para sua investigação que é essencialmente pessoal (sem procurar uma utópica objetividade). Aquelas cenas estão ali para situar o ponto de vista do autor do filme, que também convida um outro manifestante para visitar o quartel e encontrar os soldados que o agrediram.
As cenas no presídio, que foram filmadas pela própria equipe de produção de Pedroso com autorização da PM, são sim uma denúncia sobre os métodos adotados pela corporação e servem, inclusive, como ilustração das contradições dos discursos dos oficiais. Nessas imagens, o diretor aparece na tela ao lado do batalhão (e chega a vestir um colete da polícia), em uma demonstração de transparência dos seus métodos de negociação, mas não como alguém que apoia aquele tipo de operação. O que ele faz nesses momentos é sabotar os interlocutores sem que eles percebam.
Pedroso utiliza a câmera como arma (ao expor a violação dos direitos humanos), mas de forma não agressiva, pois ele não quer se igualar ao métodos dos policiais. Quando veste o uniforme do Choque ou quando chega a atirar com uma espingarda em um treinamento, o intuito é tentar entender o que se passa emocional e psicologicamente dentro de quem se submete a esse brutal papel social. À procura de novas formas de problematização, ele adota uma postura que passa por referências franciscanas ou por exemplos históricos como o pacifismo crítico-revolucionário de Mahatma Gandhi. A estratégia do cineasta é tentar transformar por dentro, como um agente infiltrado (mas não necessariamente disfarçado) que corre riscos o tempo inteiro (seja durante a produção ou nas exibições do documentário).
*o jornalista viajou a convite do festival
**o CinemaEscrito registrou trechos do debate do filme, clique aqui para ir à página do site no Facebook e acessar o registro em 2 partes.
***Para ler texto de Luiz Joaquim sobre Por trás da linha de escudos, clique aqui
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