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“A máquina” da vergonha

Câmera Clara, #18, 3 de abril de 2006

Por Luiz Joaquim | 03.09.2017 (domingo)

* Texto publicado na coluna Câmera Clara, #18, em 3 de abril de 2006, pelo jornal Folha de Pernambuco. Acima, still do filme A Máquina (2006), de João Falcão.

Semana passada (março de 2006) o cinema brasileiro cometeu uma manifestação pobre e vergonhosa. A produtora Tatiana Maciel, de A Máquina, filme em cartaz dirigido por João Falcão e co-roteirizado por Adriana Falcão (da qual Tatiana é filha), criou uma comunidade de discussão no site de relacionamentos “Orkut”. Com o nome “Pshhhh! Kleber Mendonça Filho!”, a comunidade convocava os participantes a “tentar entender o que se passa na cabeça” do crítico do Jornal do Commercio.

Uma pessoa que, segundo o texto de apresentação escrito pela moderadora, não pode ser considerada “exatamente como um ser humano”.  A comunidade foi criada dias após a publicação, no último 24 de março, da crítica feita pelo jornalista. Com um tópico aberto pela própria Adriana Falcão – no qual copiava a letra de “Pessoa Nefasta”, de Gilberto Gil – ficou claro que a ação de Tatiana tinha o apreço da equipe criativa do filme. Outras comunidades vinculadas a de Tatiana,  como “Sempre tem um imbecil”, “Eu sou um pseudo-intelectual” e “Eu sou o dono da verdade”, deixou claro que a ação era um ataque pessoal e não à análise do profissional pernambucano.

Análise, inclusive, que em nenhum linha ofendia alguém. Kleber Mendonça, que exerce o ofício de crítico cinematográfico há uma década e goza de respeito nacionalmente, defendeu sua perspectiva com argumentos plausíveis e coerentes.  O ataque de Tatiana provocou uma reação dos profissionais de jornalismo cultural em todo o país. O reconhecido crítico Pablo Villaça (www.cinemaemcasa.com.br), que, ao contrário de Kleber, aprecia o filme de Falcão, tentou entrar na comunidade para questionar a posição de Tatiana. Foi impedido exatamente por esse motivo, o que revelava o grau de intolerância da tal comunidade contra a troca de idéias divergentes.

Na última quinta-feira, a tal comunidade (de endereço http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=10745610) foi cancelada, provavelmente pela moderadora, o que demonstra um possível reconhecimento do quão lamentável e primária foi sua expressão pelo “direito de não gostar de um pessoa”, como a própria Tatiana tentou se justificar. O problema aqui só ganhou tal dimensão pois esta expressão de “não gostar de uma pessoa” entrou no mérito de ferir um profissional por fazer seu trabalho com correção. O ocorrido criou mais uma distorção monstruosa sobre o ofício da crítica cultural e, talvez, uma palavra sintetize toda essa questão: vergonha.

PS: O público, através da bilheteria no fim de semana de estréia, também ‘disse’ que a A Máquina não funciona. Apenas 19.020 pessoas foram ver as 70 cópias do filme espalhadas pelo Brasil.

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