A Morte Habita à Noite (filmagens)
Em seu 1º longa-metragem, Eduardo Morotó se espelha nos marginalizados de Bukowski e os coloca no Recife
Por Luiz Joaquim | 09.10.2017 (segunda-feira)
“Acho interessante dar visibilidade aos personagens que a gente não enxerga no dia a dia”. A frase do cineasta pernambucano Eduardo Morotó conduz um dos principais eixos abordados em seu primeiro longa-metragem A morte habita à noite. O produção, que iniciou as gravações no dia 23 de setembro, segue pelas cinco semanas subsequentes de filmagens, em locações no Recife. A obra cede espaço não apenas para quem passa desapercebido pela dura rotina da cidade, mas também mostra relações marginalizadas e carregadas de traumas, amor não correspondido e morte.
O filme é um desdobramento do curta Quando morremos à noite, projeto que surgiu após um trabalho de conclusão de curso e que premiou o jovem cineasta em mais de 30 festivais nacionais e internacionais, incluindo o de melhor produção na Mostra Tiradentes. Procurando inspiração para desenvolver o longa, Morotó mergulhou no universo do escritor Charles Bukowski. O conto A mulher mais bonita da cidade e outras obras do escritor alemão deram o pontapé inicial para sua veia criativa como roteirista e diretor.
A história é dividida em três fases da vida de Raul, interpretado por Roney Villela. Cada uma mostra a relação dele com uma mulher diferente. Na primeira, Raul tem uma frustração, após o término do seu casamento. Na segunda etapa, ele conhece uma garota de 16 anos, cerca de 30 anos mais nova. A última, o personagem tem de lidar com a morte de outra parceira e da sua caminhada para o mesmo destino.
Segundo Roney, estes períodos turbulentos da vida do personagem giram em torno de como ele se posiciona e decide sobre as situações que o cercam. “É muito culpa da inatividade dele. Frustrado com a vida, ele também não se encaixa nesses ’empreguetes’ e isso acaba refletindo. Ele é abandonado pela mulher e depois encontra a Cássia (a jovem garota). A relação deles é praticamente o desejo da carne, para ele. O Raul acaba sentindo que não tem direito de tê-la. Ele mesmo que se alto proíbe. Ele está doente e meio que definhando para a morte”, explicou Roney, que se juntam a ele no elenco Mariana Nunes, Rita Carelli, Pedro Gracindo e Endi Vasconcelos.
Primeira feijoada – A experiência na produção do primeiro filme na carreira é um pico de entusiasmo para Morotó. “Isso é surreal. Faz dez anos que fui para o Rio de Janeiro fazer faculdade de cinema. Na época, não existia o curso aqui no Recife. Desde aquele tempo fui sonhando com o longa. Para mim é muito diferente das produções dos curtas. É uma experiência muito nova e é um sonho se tornando realidade. Eu acho que fazer cinema é o sonho coletivo. É um momento único para todo mundo”, explicou o cineasta natural de Caruaru.
Morotó optou pela capital pernambucana como cenário base de sua produção. As locações foram escolhidas, após pesquisas e conversas entre a equipe, segundo o produtor executivo Leonardo Mecchi. A Praça do Sebo, o Mercado de São José e a Praia do Janga já foram utilizados nas filmagens. Atualmente, a pensão de Dona Marilene, localizada no centro da cidade, é o atual set que faz parte do dia a dia nas gravações da equipe.
Com o fim do processo das gravações e posterior edição do material, a expectativa é que o lançamento do filme aconteça em 2018. “Acredito que só ano que vem. A gente está vendo também esse timing do filme com o dos festivais. Vamos tentar Cannes, Berlim e outros. Na verdade, o projeto já circulou bastante em laboratórios antes de filmar, inclusive na França. Então já existe um interesse prévio. Vamos manter isso aquecido para aproveitar em nome do projeto”, explicou o produtor Leonardo Mecchi.
Pensão de Dona Marilene – Sendo um dos locais mais utilizado nas gravações, a pensão de Dona Marilene que abriga 14 famílias, teve que ceder alguns ambientes para as intervenções da produção. Mas tudo em comum acordo com os inquilinos.
Alguns deles foram transferidos para uma pousada, com comodidade, já que as movimentações para as filmagens começam geralmente a partir das quatro da manhã e vão até às 17h.
Apesar da agitação na pensão, Dona Marilene, aos 58 anos, demonstrou felicidade ao ceder o local onde mora e trabalha, como set de filmagem. “Me sinto uma pessoa realizada. Por que jamais pensei que aconteceria isso na minha vida, né? Não achava que isso aconteceria. Eu gosto de ficar olhando o pessoal. A gente conversa é muito”, disse Marilene dona do imóvel há mais de dez anos.
Morotó acredita que esse ambiente é favorável para a construção da essência do longa. “Recife está muito ligado ao que o filme vive. Até nesta pensão tem um morador que recita trechos de Morte Vida Severino e é um cara praticamente analfabeto e alcoólatra. Acho que aqui têm muito destes personagens. É da essência deles que a gente precisa”, explicou.
0 Comentários