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Festivais

10. Janela (2017) – abertura

E o Janela mais uma vez dá bem o seu recado na partida de sua 10a edição.

Por Luiz Joaquim | 04.11.2017 (sábado)

Que ninguém duvide do que se trata o Janela Internacional de Cinema do Recife. Em sua 10a edição neste 2017 ele reforça o que estabelecera em 2013, durante sua 6a edição. É uma espécie de grande e contínua festa (no caso por dez dias) celebrativa e reflexiva do cinema como uma ferramenta potente que estimula a memória, o presente e o futuro da expressão cinematográfica do e pelo mundo.

Aliás, o Janela não é “uma espécie de festa”, é a verdadeira e a mais autêntica festa, anual, do cinema em Pernambuco; que há quatro anos começou a conquistar também o real interesse do resto do País.

Própria de sua personalidade, a abertura do festival na noite de ontem (3) iniciou não com a apresentação de ícones tradicionais da cultural local, como caboclinhos e/ou maracatus fazendo evoluções pelo cine São Luiz, mas com um produto local audiovisual bem acabado. No caso o vídeo da doutora em biologia da Universidade Federal em Pernambuco, Natália Oliveira, que venceu a competição pelo voto popular do concurso Dance your PhD promovido pela revista Science. O vídeo de Natália com a Vogue 4 Recife foi baseado em sua tese Desenvolvimento de biosensores para as ciências forenses.

A auto-estima pernambucana apresentada pelo Janela em suas aberturas costuma ser associada a produtos referendados por prestígio já conquistado mundo afora. Mas, o que é importante, coerente e bem-vindo aqui, independente do orgulho pernambucano nestas aberturas, é que a estrela vinculada à apresentação inicial do festival diz respeito ao audiovisual. E de inquestionável qualidade. Veja o vídeo clicando aqui.

MARTEL – Tendo levado falta na edição do Janela no ano passado, aquela que é talvez um dos nomes mais importantes da cinematografia latino-americano desde o início do século, a argentina Lucrecia Martel abriu oficialmente o 10o Janela apresentando seu quarto longa-metragem de ficção, Zama (2017, foto acima), produção multinacional com assinaturas da Argentina, Espanha, França,Estados Unidos, Holanda, México, Líbano, Suíça e Brasil.

A propósito, acompanhavam Martel ontem no São Luiz a produtora da Bananeira Filmes, Vânia Catani, a diretora de arte Renata Pinheiro e a atriz Mariana Nunes (de Febre do rato e em breve sendo vista também em Pelé: O nascimento de uma lenda, de Jeff e Michael Zimbalist, na pele da mãe do Rei do Futebol).

Em Zama, Martel trouxe à tela uma adaptação do romance homônimo do argentino Antonio di Benedetto, pelo qual conhecemos Diego de Zama (o excelente Gimenez Cancho), corregedor da Coroa Espanhola numa província paraguaia do século 18 que tem como objetivo de vida deixar aquele lugar inóspito.

Feito sob um rigor meticuloso pelo qual o enquadramento e as cores vão dando a temperatura da tristeza e/ou vã esperança do corregedor a cada investida que ele dá ao governador da província para sair dalí, Zama desenha no cinema um retrato tocante de um personagem impregnado pelo desalento, cuja última chance de êxito estaria na captura do lendário bandido Vicuña Porto (Matheus Nachtergaele). Estrutura que faz lembrar o nosso Joaquim, de Marcelo Gomes, em vários aspectos.

Martel mais uma vez cria um universo próprio e particular com o qual dá a perspectiva muito pessoal de um personagem sobre seu ambiente opressor. Faz com seu cinema aquilo que é raro nos dias de hoje, ou seja, deixa seu espectador atônito com elementos inesperado que invadem o quadro sorrateiramente em diversos momentos, mas sempre com o sentido claro de ajudar a compor aquele universo incômodo e incomum que a platéia experiencia com igual desconforto.

L. A. REBELLION – Mais uma chance de ter acesso a produtos raros é oferecida pelo Janela ao Recife, no caso para todo o Brasil uma vez que tal conjunto de 15 fllmes (nove curtas-metragens, um média e cinco longas) da mostra L. A. Rebellion é exibida de modo inédito no País.

Como bem resume o release para a imprensa do Janela, L. A. Rebellion é a expressão pela qual ficou conhecida o trabalho do grupo de realizadores negros egressos da Universidade da Califórnia (EUA), em Los Angeles – a UCLA – entre o final dos 1960 e os 1980.

Como filme de apresentação do programa, o festival ofereceu no cine São Luiz ontem (sendo a primeira sessão do dia, às 16h) Daughters of the dust (Filhas do pó, 1991), de Julie Dash.

É 1902 e temos aqui um olhar apaixonado e febril sobre a cultura Gullah, comunidade de descendentes africanos que mantém seus costumes e idioma (o geechee) numa ilha chamada Dataw na costa da Carolina do Sul e Georgia (EUA), num processo duro de adequação ao novo mundo e a uma ideia de futuro melhor com a vinda de uma menina que nascerá nos EUA e não nos Igbos, da África Ocidental.

A voz em off da menina que só nasce ao final do filme, a voz de sua mãe grávida (Alva Rogers) e a voz da matriarca (Cora Lee Day) se fundem no filme espalhando a valiosa mensagem de seu povo, de afro-descendentes. Essas vozes dizem que são eles um só corpo, e que só com esse entendimento serão exitosos. As vozes funcionam aqui como um discursos estratégico e inteligentemente escrito por Dash para a dramaturgia que queria construir.

Apesar da incontestável importância do filme, pela sua origem e discurso num eterno e massacrante contexto politicamente hegemônico e opressor contra o negro, Daughters of the dust, numa perspectiva estritamente cinematográfica, revela-se uma obra datada. Carregada, principalmente na trilha sonora e também na fotografia e ainda pelas performances, por uma estrutura muito vinculada ao que identificaríamos como algo próprio da virada dos anos 1980 aos 1990. São excessos em efeitos que em alguma medida distraem daquilo que realmente importa ali.

Daughters of the dust está disponível no catálogo da Netflix.

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