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Críticas

Roda Gigante

O sobe e desce na roda gigante da vida, por um conhecedor da tragédia humana

Por Luiz Joaquim | 30.12.2017 (sábado)

Há os que acusam Woody Allen de vir fazendo nos últimos anos peças teatrais filmadas (entre outras acusações diversas contra suas produções). Não há problema nisto porque, ainda que assim fosse, são ótimas estas “peças” que ele nos faz ver por uma tela de cinema. Aí entra em cartaz seu mais recente filme, Roda gigante (Wonder Wheel, EUA, 2017), fotografado por outro veterano mestre – o italiano Vittorio Storaro – e aí bagunça um pouquinho a vida dos detratores do nova-iorquino eternizado pelos relacionamentos amorosos neuróticos que apresentou ao mundo.

Isso porque a estrutura que Storaro (você o conhece por Apocalypse Now; O último imperador; entre outros) executou aqui em Roda gigante deixa a todos boquiabertos. Não apenas tecnicamente, mas ludicamente também. Ele alterna a perplexidade de seu espectador diante da beleza das cores que aplica (e como aplica) sobre seus personagens e a coerência do sentido destas cores – cujo significado conhecemos tão bem – em conformidade com o sentimento de cada personagem naquele instante em que tem a luz incidida sobre ele.

Como dois garotos levados, cada um em sua especialidade, temos Storaro abusando de sua técnica para criar poesia visual, enquanto Allen, abusa de sua técnica criando profundidade dramatúrgica com situações inquestionavelmente amorosas atingindo no alvo em pontos nevrálgicos de qualquer romântico.

Um dos personagens principais de Roda gigante, o jovem salva-vidas Mickey (Justin Timberlake) soa quase como o próprio Allen dizendo a si mesmo que gostaria de escrever um romance que atingisse a todos. Estudante e leitor voraz de peças, que debulha desde o perfil psicológico de Hamlet até todas as peças de Eugene O’Neill, é como salva-vidas que Mickey conhece Ginny (Kate Winslet, incrível e acenando ao Oscar 2018).

Justin Timberlake como Mickey em “Roda Gigante”

Estamos nos anos 1950 e Ginny, prestes a completar 40 anos de idade, vive com o segundo marido, Humpty (Jim Belushi), e Richie (Jack Gore), seu filho pré-adolescente fruto do primeiro casamento. Frustrada por não ter seguido a carreira de atriz de teatro após trair e deixar o primeiro marido, Ginny trabalha como garçonete em Coney Island e Humpty cuida de um carrossel do parque de diversões. Eles são pobres.

Coney Island (pronuncia-se ‘côni ailend’) é uma região suburbana residencial ao sul do Brooklin, em Nova Iorque. Sendo sua roda gigante um cartão postal marcante daquele universo de efêmera felicidade que qualquer parque de diversões costuma proporcionar.

As luzes e cores brilhantes também são responsáveis por esses lugares soarem tão atraente e, ao mesmo tempo, fugazes. São essas luzes e cores que imprimem diariamente no rosto de Humpty e, principalmente na da amargurada Ginny (a neurótica da vez), os dissabores de uma vida sacrificada pelo trabalho, uma vez que eles moram atrás da roda gigante do parque.

Roda gigante, o filme, inicia com Carolina (Juno Temple, bem) procurando o pai Humpty após cinco anos de rancor mútuo e sem nenhum contato. A filha do casamento anterior de Humpty busca abrigo na casa do pai, uma vez que a jovem deixou seu marido gângster, disposto a matá-la por ela ter passado informações à polícia.

Entre a chegada de Carolina, o envolvimento extraconjugal de Ginny com Mickey e a transformação de Humpty diante da filha que renegou e agora resolve acolher, Allen vai construindo um carrossel (ou uma roda-gigante) de emoções como só a vida real proporciona. Carregado de certezas e excitações amorosas que criam um clímax explosivo num dia para no outro não acender nenhuma pequena faísca.

Do ponto de vista narrativo, Allen ainda sofistica a estrutura do filme pondo a figura de Mickey como um narrador onisciente, um deus, conhecedor dos pensamentos de Ginny (a real protagonista aqui), mas, ainda assim, sendo ele mesmo, Mickey, tão confuso quanto qualquer mortal diante de um novo amor.

Junto a isso, a dimensão que Allen dá a todos os personagens é de um equilíbrio comovente (e conseguindo, claro, pôr comicidade nisso). Mesmo que seja por muito pouco, como é com o garoto Richie – viciado em cinema (uma válvula de escape?) e por literalmente tocar fogo em tudo.

O que há nesta Roda gigante é essencialmente amargura. Ela, a amargura da vida sacrificada e frustrada, permanece na triste Ginny quase que o tempo inteiro, ainda que Allen nos faça lembrar que há um unguento chamado amor rondando Coney Island e que ele pode resvalar em pessoas como Ginny, mesmo que seu odor não permaneça por muito tempo em sua pele, ou sua alma.

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