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Festivais

21. Tiradentes (2018) – “Aurora” e “Foco” 3

Equívocos e acertos sobre o universo indigína em dia histórico para o País.

Por Luiz Joaquim | 25.01.2018 (quinta-feira)

na foto de Jackson Romanelli/Universo Produção, realizadores dos curtas da Mostra Foco no Cine Tenda

TIRADENTES (MG) – Comunicação curiosa foi amarrada entre o terceiro longa-metragem – Ara Pyau: A primavera Guarani, de Carlos Eduardo Magalhães – exibido pelo programa “Aurora” na noite de ontem (26) dentro da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, com o curta-metragem pernambucano Fantasia de índio, documentário de Manuela Andrade que compôs o programa “Foco” exibido logo em seguida.

A primavera… estabelece uma conexão com índios Guaranis que vivem numa reserva conhecida como a menor do Brasil (com 1,7 hectares – cerca de 120 mil metros quadrados), localizada dentro da cidade de São Paulo.

Carlos Eduardo Magalhães concentra o ápice dramático de seu documentário num conflito programado e realizado entre seus personagens contra o poder público na ocasião em que os guarani assumiram, em setembro de 2017, o comando de torres que transmitem sinal de telefonia celular e tevê, no Pico do Jaraguá (o ponto mais alto da cidade), comprometendo na ocasião 600 mil usuários destes serviços.

Eles reivindicavam uma injustiça pontual, mas de reverberação secular.  A primavera… traz a informação de que o Ministério da Justiça do Governo Michel Temer havia revogado, um mês antes, uma decisão de 2015 que expandia a reserva de originais 3 para 512 hectares, alegando ter havido “um erro administrativo”.

Neste registro de embate feito pelo filme, seu conteúdo é o mesmo captado por emissoras de tevê na ocasião do encontro entre os índios e o poder público. Sua diferença (a deste registro) está na pontuação narrativa empregada pelo filme. Sem pressa e respeitando a fala na íntegra dos líderes guarani, o espectador consegue perceber a sinceridade por trás da fala, esgarçando a honestidade, generosidade e mesmo uma certa ingenuidade daquele povo dócil e tão injustiçado.

Até atingir este ponto, A primavera… procura criar uma intimidade com os guarani em seu habitat, interagindo com as crianças e suas representações culturais e, em particular, seus rituais religiosos embalado por música. É, a propósito, um destes rituais que rende o momento mais envolvente do filme, na chamada “Casa da Reza”, por um canto melancólico e harmonioso, daqueles que não se traduz com palavras.

Mas A primavera… escolhe, por muitas das vezes, caminhos que parecem desvirtuá-lo de si próprio. Naquilo que seria o movimento da ocupação no Pico do Jaraguá, por exemplo, Carlos Eduardo Magalhães optar por fazer imagens aéreas a partir de drone, regadas por uma música grandiloquente, como que sugerindo um instante épico daquele trajeto. O tom desafina com toda a simplicidade que os guarani inspiram.

Outro ponto questionável apareceu na apresentação do filme pelo seu diretor no Cine Tenda. Magalhães fez questão de destacar que não fazia filmes sobre índios para contar histórias de derrotas, portanto a vitória dos Guarani teria de ser um compromisso. Da mesma forma, Magalhães disse que esteva ali (em Tiradentes) para vencer.

Sabe-se que o esforço em querer ser vitorioso é compreensível, mas definir tais termos como condicionantes para falar da causa indígena, exigindo isto de seus personagens, soa igualmente colonialista.

Projeção de “Ara Pyau: A primavera guarani” no Cine Tenda, em foto de Jackson Romanelli/Universo Produção

Excessos a parte, Ver Ara Pyau: A primavera Guarani ontem (24.1.2017), numa data histórica em função de mais uma postura questionável da justiça brasileira, realçou a indispensável importância da reunião entre os oprimidos para tentar reestabelecer, em todas as esferas políticas, aquilo que vinha sendo socialmente conquistado a tanto custo nas duas últimas décadas.

FANTASIA DE ÍNDIO – A comunicação entre A primavera… com o curta-metragem de Manuela Andrade passa pelo interesse explícito de ambos em rever os direitos indígenas. No caso de fantasia de índios, o foco está na tribo Xukuru, em Pernambuco.

Mas a chave de acesso a este universo girada por Manuela é outra (e é também mais autêntica e exitosa). É a chave da inquietação por querer entender melhor sua própria ascendência. A partir de uma árvore genealógica criada pelo seu tio, ela resolve aprofundar-se ainda mais nessa pesquisa e constrói em seu filme um fluxo narrativo lírico, num misto de observação, contestação e autoreflexão a partir do que encontra.

Nesta busca pessoal pela sua identidade, Manuela cria ambientes fílmicos distintos com sequência de fotografias, animação ou imagens em movimento cobertas pela narração em off com sua própria voz. Resulta num mosaico bem equilibrado e elegante, destacando aí o trabalho no som de Nicolau Domingues e Sá Luapo, além da fotografia sempre precisa de Breno César.

Com o artifício de um espelho que reflete uma cidade como Recife, cujo litoral foi tomado pelo homem branco, Manuela nos provoca sobre a distância entre o imaginário estabelecido por essa cidade (ou qualquer outra) a respeito da cultura indígena. Algo que é bem dito logo na abertura do curta, com a silenciosa sequência de fotos de crianças fantasiadas de índio.

Antes de Fantasia de índio, o programa exibiu o curta paulista Febre, de João Marcos de Almeida e Sérgio Silva, e o carioca Inconfissões, de Ana Galizia.

Este sendo exemplar em como fazer um filme exclusivamente com material de arquivo pessoal para retratar uma pessoa e, ao mesmo tempo, o tempo tumultuado (com questões universais) em que esta pessoa viveu. No caso falamos do tio de Ana, o intelectual Luiz Roberto Galizia, pensador importante para a cena teatral nos anos 1970 e 1980.

*Viagem a convite da mostra.

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