O alternativo é a maior diversão
Confira, nesta reportagem de 1999, como era o circuito exibidor para filmes alternativos no Recife.
Por Luiz Joaquim | 15.02.2018 (quinta-feira)
* texto originalmente publicado em 1º de novembro de 1999, no Caderno C, do Jornal do Commercio (Recife). Na foto acima, de Hans V. Manteuffel, o então programador do Cineteatro do Parque, Geraldo Pinho.
Em 1999, então no Jornal do Commercio (Recife), resgatei uma reportagem feita no ano anterior como exercício para uma disciplina do curso de Jornalismo.
Na versão para o jornal, que publico abaixo, atualizei os dados da matéria universitária e me concentrei em fazer um apanhado detalhado da situação das salas que ofereciam uma programação mais alternativa no Recife do final do século passado.
As reportagens tomaram 3 páginas da edição do “Caderno C” daquela segunda-feira.
Na pauta, o Cineateatro do Parque, as “Sessões de Arte” do São Luiz, o Cineteatro Arraial, o Instituto Lula Cardoso Ayres, e o mais jovem deles, o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco; além de uma material vinculada sobre ‘Seu’ Alexandre.
Confira abaixo.
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Recife é a capital nordestina mais expressiva no que se refere à sétima arte, ao menos em termos de casas de projeção. Além de abrigar dois Multiplex, inaugurados há pouco mais de um ano (e que não deixa a desejar às salas internacionais), é a cidade que mais oferece espaços para exibição de películas alternativas. São três cinemas correndo por fora do circuitão. Cada um deles dentro de um perfil particular, mas com uma coisa em comum. Todos já foram, e ainda são, utilizados como Teatro.
O Cineteatro do Parque é o mais tradicional e atrai um público cativo. O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) é o mais bem equipado e o Cineteatro Arraial é o que mais oferece mostras temáticas. Existem ainda no Recife duas sessões especiais, exibidas durante dois dias da semana, em uma das salas mais glamourosa do país – o Cine São Luiz; e, completando, uma espécie de cineclube que projeta clássicos, com entrada franca, semanalmente – o Lula Cardoso Ayres.
Cineteatro do Parque – Um caso de amor antigo com o cinema – Em agosto de 1915 nascia mais uma sala para apresentações teatrais no Recife. Era o Teatro do Parque. Concebido originalmente para abrigar as manifestações da arte cênica recifense, a casa sofreu um golpe do destino. Seu fundador, o Comendador Bento Aguiar, veio a falecer poucos dias após sua inauguração. Quando a família do Comendador assumiu, a casa já não estava numa situação financeira confortável. A prefeitura do Recife arrendou o prédio e o transformou num cinema. Toda a comunidade artística da cidade ficou furiosa com a novidade. Em 1929, Luiz Severiano Ribeiro comprou o Parque da prefeitura. Foi nesse período que o Cineteatro exibiu o primeiro filme sonoro que o recifense ouviu.
O empresário da rede de cinemas possuía, então, (juntamente com o Cine Moderno, inaugurado em 1914), duas casas de exibição no Recife. Foi quando, em 1959, o prefeito Pelópidas Silveira, negociou o cinema da rua do Hospício, e o transformou em Patrimônio Cultural do Recife. A casa só veio a projetar películas novamente em 1974/1975. Eram filmes didáticos, educativos e documentários, sob a direção dos jornalistas e cineastas Fernando Spencer e Celso Marconi. Em 1993, assumiu seu atual coordenador, Geraldo Pinho.
O Cineteatro do Parque possui 1.034 poltronas, mas, para as sessões de cinema, apenas 900 ingressos são vendidos. É que das seis cadeiras existentes nos camarotes apenas quatro permitem enxergar a tela com relativo conforto. Além disso, outros assentos nas primeiras filas também podem deixar o espectador com torcicolo. Isso acontece porque o prédio não foi projetado para funcionar como cinema.
Geraldo diz que pretende promover sessões às 14h30, mas vai depender da conclusão de um projeto de climatização para o cineteatro, financiado pela Caixa Econômica Federal. Além da disponibilização de um ar-condicionado para o local, a futura reforma inclui uma película revestindo o teto (impedindo também a entrada de luz) e a suspensão da cabine de projeção em 90 centímetros (ampliando a abrangência do facho de luz do projetor). A obra promete ainda uma melhor disposição dos alto-falantes espalhados pelo recinto, dando uma maior sensação de envolvimento com o filme. Segundo Geraldo, a reforma está prevista para ser iniciada ainda nesse mês.
“Muitas vezes as pessoas pensam que o Cinema do Parque `come’ algumas partes do filme por conta de um corte brusco de uma cena para outra. Mas eu nunca iria permitir exibir um filme incompleto. O que acontece é que as cópias, quando chegam ao Parque, já passaram por dezenas de salas no Brasil. Já sofreram bastante revisões e já estão um tanto maltratadas. Outro detalhe é que trabalhamos com dois projetores que nem sempre estão alinhados ou sincronizados e, quando alternamos as projeções, têm-se a sensação de que alguma coisa foi perdida”, explica.
Mas, apesar das ressalvas do público a respeito da qualidade do som, do calor, e do desconforto das cadeiras de madeira, o Parque mantém-se cativo no gosto popular de um grupo específico que circula pelo Centro do Recife. Além de perpetuar o costume de trazer o espectador, ao preço módico de um Real, para a exibição de uma boa fita (na maioria das vezes reprise de um filme que teve passagem meteórica na cidade), o Parque mantém uma agenda com três programas alternativos ao ano.
São Luiz busca alento na arte – A história da Sessão de Arte do mais suntuoso cinema recifense nasceu, na realidade, em Fortaleza. Tudo começou em 94, quando Pedro Martins, o administrador de um pequeno cinema da capital cearense, resolveu experimentar exibir filmes com apelo menos comerciais em horários isolados. A invenção deu certo e o Grupo Severiano Ribeiro (GSR) tratou logo de assumir a fórmula para o Cine Fortaleza (espécie de Cine Veneza do Ceará) e as salas Iguatemí 1, 2 e 3 (equivalentes às exterminadas Recife 1, 2 e 3).
Comprovado o sucesso, a Sessão de Arte se alastrou para Natal e Maceió. “No Recife, o filme inaugural foi A Rainha Margot, exibido em março de 95”, lembra Pedro Pinheiro, gerente local da programação do GSR. “No início do projeto”, continua “podíamos organizar a programação até com um mês de antecedência e tínhamos mais e melhor material para divulgá-lo. Também não havia tantas salas como existem hoje no Recife, o que restringe a disponibilidade de filmes nas distribuidoras”.
O trajeto das cópias que chegam às sessões de sexta e segunda-feira no São Luiz segue mais uma logística geográfica e econômica do que uma demanda artística da praça pernambucana. Os filmes que vêm das distribuidoras do Rio de Janeiro e São Paulo seguem direto para Fortaleza, depois descem para Natal, Recife e por fim Maceió, até voltar ao local de partida. “Esse roteiro só é quebrado quando a obra é sucesso de bilheteria, nos obrigando a programar outra exibição na semana seguinte”, diz Pinheiro. O itinerário é determinado pela parceria firmada entre o GSR e a Transportadora Cinco Estrela, que tem sua publicidade exibida precedendo às projeções das películas.
Quanto às reclamações de alguns frequentadores a respeito da escura projeção do cinema, Pinheiro conta que esse problema foi minimizado com a compra de uma nova lâmpada com menos horas de uso. “Acredito que independente do projetor ser velho ou novo, a boa projeção vai depender do correto manuseio da máquina e de sua adequada manutenção. E não podemos querer comparar a dimensão de uma sala como a do São Luiz com as do Multiplex. A longa ou curta distância entre o projetor e tela configura distintos resultados de claridade na tela”, diz.
E para responder às queixas pelas poucas sessões de alguns títulos consagrados, o gerente diz que não seria pertinente colocar em cartaz, por exemplo, um filme de Ingmar Bergman, nos sete dias da semana. “Se o assim fizesse, viria a mesma quantidade de pessoas que vem na sexta e na segunda-feira, só que de forma diluída durante os sete dias”, acredita. Pinheiro lembra que sugestões e reclamações a respeito da Sessão de Arte do São Luiz podem ser feitas acessando tipecinezaz.com.br.
Arraial integra a `resistência’ dos cinemas de arte – Localizado na Rua da Aurora, o Cineteatro Arraial está sob administração do Governo do Estado. Seu coordenador é o cineasta e jornalista Celso Marconi, que já dirigiu o extinto Cine Ribeira, no Centro de Convenções, além do Cineteatro do Parque, com Fernando Spencer. Com suas atividades iniciadas em abril do ano passado, o Arraial tinha entrada franca para um espaço com 98 poltronas destinadas a quem quisesse rever clássicos do cinema nacional e internacional. A programação de película do Arraial era geralmente atrelada à filmoteca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que emprestava algumas cópias para a Secretaria de Cultura de Pernambuco.
Tentando driblar as dificuldades de conseguir filmes sem dar retorno financeiro ao distribuidor, uma vez que não pode cobrar um preço extravagante pelo ingresso, Celso mantém o espaço pulsando através de projeção de vídeos, como a recente mostra em homenagem a David Lynch. A boa notícia é que o Cine Arraial voltará, nessa quarta-feira, a usar seus projetores de película. Com o apoio da Aliança Francesa, da Embaixada Francesa no Brasil e do Consulado Geral da França no Recife, o Arraial exibe um curta-metragem e oito longas franceses inéditos. Serão duas mostras temáticas: a Jovem Cinema Francês (cinco filmes produzidos entre 94 e 97), e A França Vista Por… (um curta e três longas feitos entre 62 e 90).
A vida de um homem de projeção – Talvez a grande vedete do Cine Arraial não sejam os filmes, mas quem os projeta na tela. `Seu’ Alexandre atua há mais de 40 anos como projecionista, e é considerado um verdadeiro mestre pelos colegas. Ele começou exibindo filmes cedo, quando ainda tinha 19 anos de idade. A primeira experiência foi no Cineteatro do Parque e, depois, em 1952, foi ao velho Art Palácio.
`Seu’ Alexandre passou quase quatro décadas da própria vida dentro da cabine do extinto cinema, e costumava dizer que era ali era a segunda casa dele. Foi quando teve início uma outra fase da história de projeção de filmes no Estado: a era dos shopping centers. A inauguração dos cinemas geminados do Shopping Guararapes, em Piedade, deu início também à desativação das salas mais tradicionais do grupo Art Filmes. A empresa contava – além do cultuado Art Palácio – com o Trianon (também no centro da cidade), e o Art Boa Viagem, que teve vida breve.
Mas `Seu’ Alexandre não ficou desempregado por muito tempo. Em 1992, o diretor do Museu da Imagem e do Som, Celso Marconi, convidou o mestre da projeção para pilotar a máquina do Cine Ribeira, no Centro de Convenções, que permaneceu até 97. Hoje, o projecionista assume, sem dificuldades, o controle do equipamento da Cine Arraial. É que a máquina é exatamente a mesma que ele manuseava no Art Palácio e no Ribeira. `Seu’ Alexandre seguiu o mesmo itinerário do projetor (ou vice-versa). Projetor esse que talvez seja o `amigo’ mais antigo do maior homem de projeção da cidade.
Mais que uma sala, um santuário – O violento o impacto que qualquer pessoa recebe ao conhecer o Instituto Lula Cardoso Ayres. Apesar de estar situado em uma localização ingrata para um cinema de filmes alternativos (próximo ao Shopping Guararapes), é, no mínimo, inquestionável a pertinência de uma visitação ao local feita por aquele assumido apreciador da sétima arte. Além da Sala Alberto Cavalcanti, onde acontecem as projeções de filmes em 16mm e 8mm, o espaço agrega um museu iconográfico do artista, uma biblioteca, uma cinemateca, uma galeria de arte e uma loja de artigos afins.
Sendo definitivamente o mais charmoso lugar da região metropolitana onde se possa assistir um filme não-comercial, a sala do Instituto exibe, sempre às 17h do sábado, pérolas do início do cinema sonoro e, principalmente, do cinema mudo. Em ótima conservação, e somando quase 3.000 títulos, as cópias do acervo da cinemateca detêm raridades de Charles Chaplin como Her Friend: The Bandit, Mabel’s Strange Predicmant e His Favorite Bestime, dadas como desaparecidas pelo próprio criador de Carlitos.
“Nós temos 74 dos 81 filmes realizados por Chaplin. Temos todas as obras dirigidas por Buster Keaton e 85 dos 102 trabalhos de O Gordo e O Magro. É também do acervo 150 filmes nacionais, inclusive O Palavrão, de Cleto Mergulhão, que foi o último filme pernambucano em 35mm antes de O Baile Perfumado”, diz orgulhoso Luiz Cardoso Ayres Filho que, junto com sua esposa, a arquiteta Regina, administram o espaço.
Instituída a 2 de dezembro de 93, a sala de cinema conta com 45 assentos de madeira, conseguidos de um extinto cinema do município de Pombos, ar-condicionado e uma decoração mostrando quadros ilustrados com ícones cinematográficos. A maquinaria disponibilizada por Luiz Cardoso Ayres Filho reúne dez projetores de Super8 (para bitola de 8mm) e dois projetores RCA e dois Bell and Howel (ambos para 16mm). “Na verdade, gosto de usar meu projetor Kodak para as sessões semanais. É que os filmes na bitola 16mm têm a banda sonora muito delicada, e essa máquina tem um leitor sonoro mais sensível”, explica.
Projetos – Em recente viagem feita a Curitiba, Luiz Cardoso Ayres Filho conheceu a Cinemateca da Fundação Cultural do município, que detém um acervo de 1.200 filmes (35mm incluídos). Lá, ele teve a oportunidade de ensaiar um futuro intercâmbio com a instituição do Paraná. “Eles mantêm três cinemas, com média de 130 lugares, exibindo filmes alternativos através de equipamentos equivalente aos do Multiplex. E o mais importante”, ressalva “é que o ingresso custa apenas R$ 6,00”.
Contando que a partir do início do próximo ano vá se dedicar integralmente ao Instituto, o coordenador sonha em adquirir um projetor portátil de 35mm e construir um novo espaço agregado ao local para exibir filmes desse porte. Também é um desejo seu criar oficinas de cinema a preços acessíveis. Enquanto isso não acontece, Luiz Cardoso Ayres Filho avisa que o Instituto está aberta das 16h às 20h, entre quarta a sábado, para quem quiser pesquisar nos diversos livros sobre artes plásticas e cinema da Sala Gilberto Freyre.
O visitante também pode consultar a discoteca do Arquivo Cultural Aranha de Moura, que, entre outras preciosidades, reúne gravações originais da década de 20. Há ainda o Museu Lula Cardoso Ayres com exposição permanente do artista, dando chance para que se conheça toda a obra desse que foi um dos pioneiros no design gráfico em Pernambuco.
Fundaj – Modernidade para o cinema alternativo – Reinaugurado em março de 1998, o Cineteatro José Carlos Cavalcanti Borges, da Fundaj, é a sala mais bem equipada da cidade e oferece 320 lugares em um espaço climatizado por ar-condicionado central. Sua aparelhagem de som foi a primeira a apresentar ao recifense o verdadeiro efeito que o formato Dolby Spectral Recording pode produzir no espectador. Com duas caixas acústicas localizados nas laterais da tela, uma outra, de baixa frequência, embaixo do palco e outras mais espalhadas ao redor da plateia, o público pode até sentir estremecer seu assento, se for o caso. O projetor, o americano Simplex/ Strong, dispõe de objetivas cristalinas projetando imagens tão limpas quanto as dos internacionais Multiplex.
Desde o final da década de 70, a Fundaj já disponibilizava o chamado `cinema de arte’. As exibições aconteciam no prédio da Fundação de Apipucos e depois veio ocupar a Casa da Cultura. Foi só em 1988 que a sala José Carlos Cavalcanti Borges começou a exibir películas. O atual perfil do cinema no Derby se deu graças à criação do Instituto de Cultura da Fundaj, e à aprovação do seu projeto de reaparelhamento, pelo Ministério da Cultura, no valor aproximado de R$ 50 mil.
Além de trazer ao Recife produções que ainda não passaram pelo Rio de Janeiro (como Os Amantes do Círculo Polar), a Fundação também promove mostras temáticas. Em parceria com o Estação Botafogo, aconteceu em agosto do ano passado a mostra O Homem que Amava as Mulheres. Foram 16 filmes do mestre François Truffaut, a maioria inédito na cidade. Em setembro, o cinema trouxe, em parceria com o Sociedade Cultural Brasil-Espanha, a Jornada de Cinema Espanhol. Fechando 98, foi exibido uma mostra Retrospectiva com o melhor do ano (que irá se repetir em 99), e em julho último aconteceu a I Mostra de Filmes Italianos, com o suporte do Consulado da Itália e da TIM. O crítico de cinema Kleber Mendonça Filho é o responsável pela Divisão de Cinema do Instituto de Cultura da Fundaj.
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