Película dá lugar a bits em Pernambuco (2001)
Em 2001 nasce o 1º filme pernambucano dispensando a película na captação de imagem. Saiba sobre filmagens
Por Luiz Joaquim | 19.02.2018 (segunda-feira)
— Reportagem publicada originalmente em 10 de janeiro de 2001 no Jornal do Commercio (Recife).
Parece mesmo que o ano de 2001 será um marco para a história do cinema. Ao menos em termos de captação de imagem digital. Para quem ainda duvida, é bom saber que até a toda poderosa Hollywood está se entregando à praticidade das câmeras eletrônicas. O mago da Industrial Light & Magic, George Lucas, por exemplo, gravou recentemente todas as cenas do segundo capítulo da nova trilogia de Guerra nas Estrelas numa câmera de vídeo digital (DVCam). O aparelho (modelo 90024-FPS) foi desenvolvido pela Sony e Panavision, e consegue capturar imagens na resolução de 1920 por 1080 linhas. Pela opção de usar fitas em vez de carretéis de película, Lucas gastou risíveis 15 mil dólares, em contrapartida aos 2,5 milhões de dólares calculados no orçamento inicial da produção.
Em terreno nacional, o gaúcho De Cara Limpa, de Sérgio Lerrer, dá o ponta-pé inicial sendo o primeiro longa-metragem tupiniquim tendo sido totalmente ‘gravado’, e não ‘filmado’, a tentar ganhar as salas do País. Na esteira dele, vem uma penca de outros que estão em fase de pré-produção. Pernambuco, por sua vez, prepara dois curtas de ficção e um documentário que prometem chamar a atenção não só pela faculdade de usar uma DVCam e depois transcrever para filme mas também por desenvolver projetos que fogem do ‘padrão Árido Movie’ de fazer filmes. Ou seja: nada de histórias de temática nordestina, de época, folclórica ou sobre miséria.
“Criou-se uma camisa de força aqui em Pernambuco de modo que, se o projeto não encaixe nesta indumentária, fica condenado ao descaso de patrocinadores e autoridades governamentais. Inclui-se aí também as comissões julgadoras dos concursos de roteiro”, diz msim, assim mesmo com minúsculas, pseudônimo do, digamos, mentor da cooperativa informal La Corja.
msim explica que ele e seu grupo (Leo Falcão, Leonardo Sette e Brenda Mata) não obedecem e nem querem criar nenhum movimento ou seguir qualquer estética ‘dogmática’. “É preciso deixar claro que não somos antagônicos ao Árido Movie no sentido de extinguir essa provável estética. Queremos apenas somar, conseguir espaço para contar boas histórias. Só isso”, completa Leo Falcão.
Além de tentar redesenhar a imagem da criação audiovisual pernambucana para o País, La Corja planeja capacitar profissionais nessa área, promovendo, futuramente, workshops, oficinas e palestras; além de programar festivais, mostras e produção de ficção, documentários e clipes em vídeo digital.
CONTEMPORANEIDADE – A tão desejada atenção para a pertinência de se apoiar filmes com assuntos universais que La Corja almeja já começa a dar sinais de vida. Afinal, Lugar Comum, roteiro de Leo Falcão, foi o contemplado, há dois meses, com o valor líquido de pouco mais de R$ 43.800, oriundo do concurso Firmo Neto da Prefeitura da Cidade do Recife. De posse de uma DVCam Sony DSR200, da produtora ‘corjeana’ MS10, o diretor estreante terminou as gravações na semana passada. Falcão, que já trabalha com publicidade há cerca de quatro anos, diz que o filme sairia do papel mesmo sem o prêmio da prefeitura: “o dinheiro serviu para acelerar a realização”.
As captações de imagem, que tomaram 17 dias entre dezembro e janeiro, aconteceu num apartamento na Rua da Imperatriz, num bar da Rua do Bom Jesus, na Rua Marquês de Olinda e no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Tudo para mostrar a história de Max (Gustavo Lago), um esforçado estudante que deseja se tornar um escritor e, após uma orientação sugerida pelo professor (Rubem Rocha Filho), começa a criar uma trama a partir de três arquétipos clássicos: um herói (Vladimir Brichta), um vilão (Rutílio Oliveira) e uma mocinha (Karina Falcão).
Depois de concebido os personagens, Max descobre que o ato de criar é doloroso e não tão idílico quanto se imagina. O filme se divide no mundo ‘real’, diurno da universidade; e no ‘imaginário’, noturno dos bares, onde as crias de Max discutem com o próprio criador.
O estudante Max, criado por Falcão, remete imediatamente a Bob Saint-Clair – o escritor interpretado por Jean-Paul Belmondo no filme O Magnífico (Le Magnifique, França, 1973) de Philippe de Broca. Apesar das semelhanças, o jovem diretor pernambucano garante que não conhecia o filme francês quando desenvolveu seu roteiro.
A escolha de Gustavo Lago e todo o resto do elenco – que compõem o cast da peça A Máquina, de João e Adriana Falcão – não foi por acaso. “O filme tem bastante diálogos, e precisava de atores que sustentassem o texto sem titubear”, explica o diretor. Aproveitando o intervalo da temporada, Leo Falcão apresentou o projeto aos atores que simpatizaram com a proposta. “A prestação de serviço de todo mundo foi na base da ‘brodagem’ e ‘sisterice’, principalmente a colaboração da Quanta, que participou alugando equipamento por um preço camarada”, diz, agradecido.
Morto-Vivo economiza com o formato digital – A primeiro cria com o padrão La Corja já está digitalmente editado. Morto-Vivo, de msim, teve o roteiro (co-escrito com Janaína Freire) premiado pelo Ministério da Cultura em 1999. Gravado no início do ano passado em Mandacaru, a 12 km de Gravatá, o curta mostra a trajetória de um andarilho (Aramis Trindade) que se depara com um velho, recém-falecido (Renato Phaelante), e se vê na condição de atender seu último pedido. Entre dúvidas e tentações do vivo em usufruir os bens do morto, o rico legado deixado pelo falecido acaba clareando a decisão do andarilho.
“A locação foi o interior do Estado, mas poderia ter sido em qualquer outro lugar e em qualquer outra época”, salienta msim. “A ênfase está nos personagens e no poder da palavra”. A facilidade de captar em vídeo deu comodidade ao diretor para gravar tudo em apenas oito dias. A economia propiciada pelo equipamento também foi outro item estimulante. Caso tivesse usado uma câmera de 35mm, teria gasto R$ 1 mil por dia apenas com o aluguel (para filme publicitário, o valor sobe para R$ 1,5 mil). Já o aluguel de uma DVCam fica em torno de R$ 120 diários.
“Ainda tem as vantagens da edição. Para conseguir o efeito de fusão de película na moviola (mesa onde se efetua a montagem cinematográfica), iríamos gastar R$ 600 por efeito. Para fazer isso na edição digital, basta apertar um botão”, ressalta.
A parte mais salgada do projeto acontece na hora da kinescopagem (ampliação para filme). Dois minutos de Morto-Vivo (em caráter de teste) já passaram pelo processo, que foi realizado no laboratório Mega, de São Paulo. Projetado no Cinema da Fundação, o resultado do teste superou as expectativas dos próprios pais da criança quanto à qualidade da imagem.
La Corja corre, agora, atrás de captação de recurso, via Lei de Incentivo à Cultura, para passar Morto-Vivo e Lugar Comum para 35mm. O trabalho poderá ser feito pela Labocine ou pela Mega, vai depender da viabilização de fechar um pacote para os dois curtas. Até isso acontecer, Morto-Vivo talvez só possa ser visto no Japão, onde foi inscrito no Festival JVC.
Depois de ampliado, os curtas devem percorrer os principais festivais de cinema do Brasil. “Imaginamos que tudo estará terminado até junho. Mas vamos nos esforçar para lançar os trabalhos no próximo Festival de Cinema do Recife”, diz Leo Falcão. A 5ª edição do Festival acontece de 24 a 30 de abril.
Pernambucano vai a Cuba captar depoimentos com câmara digital – Assistente de direção de Lugar Comum e editor de créditos de Morto-Vivo, Leonardo Sette viaja hoje para Cuba. A bagagem é reduzida, mas inclui uma camcorder digital 8mm da produtora MS10. Sette, 22 anos, planeja passar dois meses na ilha de Fidel, onde, sozinho, vai registrar imagens e depoimentos dos nativos. “Meu desafio vai ser estabelecer intimidade para, daí, conseguir testemunhos sinceros. Acredito que o fato de estar sozinho, apenas eu e câmera, vai amarrar a confiança dos depoentes comigo”, diz.
Sette enfatiza o fator ‘intimidade’ e ‘confiança’ com os entrevistados porque a intenção do documentarista é delicada: mostrar a perspectiva do cubano sobre seu País e o regime de Castro, mais de 40 anos após a Revolução. Sette também quer descobrir como os habitantes de Havana e redondeza imaginam Cuba após a morte de seu líder.
Sem percurso pré-definido, o documentarista – que já esteve em Cuba em julho de 1999 para cumprir uma oficina na famigerada Escuela Internacional de Cine Y Television – pretende capturar o máximo de imagens e depoimentos quanto for possível, nas mais diversas localidades da ilha. Ao contrário dos colegas msim e Leo Falcão, Sette não pensa em kinescopar o documentário. “Meu gasto maior será com as fitas de vídeo. Quando voltar, vamos editar na MS10 e lançamos o trabalho”, encerra.
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