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Reportagens

Pokemon – O Filme (1998)

Em janeiro de 1999, o Brasil experimentava um outro surto de febre amarela. Ela só afetava as crianças.

Por Luiz Joaquim | 17.02.2018 (sábado)

–Publicado originalmente em 7 de janeiro de 2000 no Jornal do Commercio (Recife).

Era uma vez um menino chamado Ash que morava na cidade fictícia de Pallet. Quando Ash completou 10 anos ficou muito feliz, pois pôde se candidatar a caçador e treinador dos Pokémons ­– ou Pocket Monster (monstro de bolso). Ao todo, eles somam 150 criaturas de tamanho e formas variadas com poderes especiais e distintos. Para capturar os bichinhos, os caçadores recebem uma Pocket Ball e os mantém nessa esfera até que eles sejam educados e reconheçam seu treinador como um mestre.

Essa é a premissa para entender o pensamento que predomina na cabeça de centenas de milhares de crianças entre 4 e 10 anos espalhadas pelo planeta. A estréia de Pokémon: O Filme (Pokémon: The First Movie), que acontece hoje em 200 salas no Brasil (com ampliação prevista para outras 100), só vem ratificar o sucesso do devaneio que os pais vêm observando em seus filhos ao longo dos últimos sete meses. Foi em maio que a Rede Record colocou no ar, por volta das 11h no programa Eliana & Alegria, os primeiros episódios das aventuras de Ash.

O horário de exibição do desenho já provocou mudanças na rotina da casa da psicóloga Maria Clara, mãe de Lucas (9 anos), Tiago (6) e Tomás (4).  Como os garotos estudam à tarde, e o programa passa pouco antes da hora do almoço, ela precisa impor que eles façam o dever de casa logo cedo para não correr o risco de chegaram no colégio com a lição em falta.

Quem trouxe a pokemânia para casa foi Tiago, o mais alucinado dos três pelo fenômeno japonês. “Na minha escola, quatro meninos tem um game boy (mini-video game) com jogos Pokémon. Foi com eles que aprendi a brincar e descobri que havia um desenho na televisão”, conta enquanto manipula o game boy de um amigo. Feito a descoberta, foi fácil agregar Lucas e Tomás para o mundo dos bichinhos mutante de forma esquisita.

“Eles pediram ao avô, como presente de Natal, um desses game boy. Mas acabaram ganhado apenas o cartucho. É que meu pai se confundiu, pensando que a fita que comprou, por R$ 180,00, era o próprio vídeo game ”, lembra Maria Clara. Ela diz que os meninos, determinados, estão convocando os tios para fazer uma ‘vaquinha’ e comprar o aparelho, que custa em torno de R$ 390,00. Apesar de ter amealhado apenas R$ 90,00 até agora, Lucas, o mais velho, diz: “não tem problema, vamos juntar as nossas mesadas até poder compra o game boy”.

Preocupada com a formação dos garotos, Maria Clara procura evitar a sanha consumista por produtos Pokémon que ataca seus filhos. “Mesmo assim não posso proibi-los de ver os desenhos. Certa vez, Tiago chorava bastante antes de ir para a escola. Quando perguntei o motivo, ele disse que tinha perdido o episódio do dia e ia ficar sem assunto para conversar com os colegas no colégio”.

Outro Tiago, de 7 anos, também não quer ser um excluído da mundo Pokémon. Ele conta que tem álbum de figurinhas, revista em quadrinhos, bonecos, chaveiros e a trilha sonora do filme que estréia hoje. Orgulhoso, diz que sabe o nome de quase todos os monstrinho de cor, e revela que seu preferido é o Pikachu – um espécie de ratinho amarelo que emite raios elétricos pelas bochechas. “Gosto dele porque sempre aparece com o Ash nos desenhos”.

Tiago Pinheiro tem uma vantagem com relação aos outros garotos. Sua cadeira já está reservada no cinema. Ele é filho de Pedro Pinheiro, gerente de programação do Grupo Severiano Ribeiro no Recife. O garoto já assistiu todos os filmes infantis que estão em cartaz. Sua expectativa estava concentrada em Xuxa e nos Pokémons. “Não gostei de Xuxa Requebra. Tem pessoas batendo uma nas outras e muito sangue”, analisa o fã de Pikachu, que pretende ir hoje ao cinema acompanhado por todos os amigos do prédio de 16 andares onde mora.

Lucas, Tiago e Tomás em seu mundo particular, habitado por Pokemóns, em foto de Hans V. Manteuffel (1999)

CINEMA – Pokémon: O Filme é dirigido por Kunihiko Yuyama, mas foi adaptado para o gosto ocidental pelo produtor da 4Kids Entertainment, Norman Grossfeld. Ele comprou os direitos de exibição por 5 milhões e lançou o filme em 3 mil salas americanas. A película arrecadou mais de US$ 50 milhões em apenas cinco dias, e essa cifra fez o desempenho do longa-metragem ser reconhecido como o melhor alcançado por um desenho animado em Hollywood.

A versão para a telona vai apresentar novos Pokémons. Logo no início, a garotada assiste o curta As Férias de Pikachu, no qual o ratinho amarelo apresenta os dois monstrinhos Snubbull e Marill. Na seqüência, vem o longa-metragem trazendo Ash com Brock e Misty, dois outros treinadores das pequenas criaturas.

Os três unem forças para derrotar Mewtwo. Ele é uma espécie de aberração criada por cientistas que trabalham para fazer os Pokémons mais poderosos que já existiram. Mewtwo se rebela contra seus criadores é decide controlar o mundo desenvolvendo clones do mal. Está criado o cenário para a maior batalha Pokémon da história.

A Warner já comprou os direitos de exibição do segundo filme, Revelations (atualmente em cartaz no Japão) e já está de olho no terceiro, Lord of The Unknown Tower (em produção), para lançá-lo em junho nos Estados Unidos. Pelo visto, a febre ainda está no começo.

Pokémons têm o poder de multiplicar dinheiro – Há quatro anos, os japoneses Satoshi Tajiri e Tsunekazu Ishihira desenvolveram o projeto Pokémon para os videogames da Nintendo. Apesar de sua modesta configuração gráfica, o joguinho alcançou a liderança no mercado oriental com suas criaturas inspiradas em insetos, lagartas e outros animais que evoluem a cada experiência com seus treinadores humanos.

Depois vieram os desenhos para a televisão e os produtos que abrangem canetas, bóias salva-vidas, bichinhos de pelúcia que gritam Pikachu! com voz aguda, que acendem a bochecha, com ventosas nos pés para agarrar no pára-brisa do carro, almofadas, baralhos e mochilas. Ao todo eles chegam a uma gama de quase 4 mil peças. Isso sem considerar os álbuns de figurinhas e as revistas em quadrinhos.

A palavra “esgotado” é a que melhor traduz a situação da maioria desses produtos no Recife. No mês do Papai Noel, as lojas de brinquedos foram invadidas por centenas de pais (os verdadeiros caçadores de Pokémons), ávidos por tudo que tivesse relação com os monstros de bolso.

Além dos cartuchos dos game boy, as crianças clamavam no Natal pelas fitas e CDs dos vídeo games Playstation e Nintendo 64. Assim como a trilha sonora do filme (custando em torno de R$ 25,50), as fitas, jogos em CD e os cartuchos de Pokémons estão em falta há uma semana na cidade.

Apesar dos efeitos negativos provocado em 700 crianças no Japão – hospitalizadas em 1997, ao receber uma excessiva carga de luz emitida pelo desenho – os Pokémons sobreviveram, e muito bem. Hoje eles movimentam uma fatura de US$ 2 bilhões só nos Estados Unidos.

Brito, em foto de Geraldo Guimarães (1999)

Psicólogo acredita no lado bom destes monstrinhos japoneses – “Como não se identificar com os caçadores de Pokémon?”. Esta é a pergunta que o psicólogo infantil e fonoaudiólogo Carlos Brito levanta quando pensa na empatia provocada pelas histórias de Ash e do ratinho Pikachu. No seu consultório, em meio a vários desenhos de Pokémons rabiscados pelos seus pacientes, na faixa de 5 a 10 anos de idade, ele diz que começou a perceber o interesse das crianças pelos monstrinhos em junho último.

Curioso a respeito da novidade que começou a encantar seus pacientes, Brito assistiu alguns episódios do desenho e refletiu sobre o que viu. “As histórias giram em torno de três situações em que o protagonista Ash atua. Ele caça, captura e domina os Pokémons. Não há violência, apenas representações de rupturas e transformações benéficas que ajudam a criança a entender que elas podem se superar”, explica.

Em um nível inconsciente, os pequenos telespectadores podem se identificar com Ash e ver, nas diversas evoluções dos monstros de bolso, uma forma de transpor suas angústias e ansiedades. Brito acredita que a simpatia pelos bichinhos de formas assexuadas reflete uma realidade contemporânea, na qual alguns rótulos de feminino e masculino, como os da moda, estão ruindo.

Ele salienta a grande demanda de crianças que sofrem de baixa autoestima e desafeto. “Os pais não têm mais tempo para seus filhos e, pela própria natureza criativa da infância, eles projetam nos desenhos a vida saudável que gostariam de ter”.

Para o psicólogo, os Pokémons também têm más conseqüências para a formação da meninada. O resultado negativo está relacionado com a condição de consumidores prematuros em que os garotos são transformados. “Isso não está restrito aos bichinhos japoneses. De tempos em tempos, temos novidade que viram mania como, até recentemente, os Teletubbies. Cabe ao pais impor limites e interromper a ensandecida tendência consumista que atinge as crianças”, alerta.

Professor da Universidade Católica de Pernambuco das disciplinas de Psicologia do Desenvolvimento, da Linguagem e do Aprendizado, Brito trabalha com outras seis escolas públicas nas quais participa de grupos de estudo com educadores. Quanto ao que tem observado, comenta: “Alguns colégios proibiram seus alunos de levar os bichinhos e os jogos para a escola. Talvez fosse mais interessante aproveitar o lúdico provocado pela mania e utilizá-lo como um instrumento para a educação da criança, contextualizando-o em sua formação”, e conclui: “A escola precisa aprender a aprender com a criança”.

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