Sinais
Filmes de Shyamalan já estiveram para o cinema como obras de certos escritores estavam para best-sellers.
Por Luiz Joaquim | 27.02.2018 (terça-feira)
— publicado originalmente em 18 de Setembro 2002
Os filmes realizados por M. Night Shyamalan estão para o cinema como as obras de alguns escritores estão para o formato best-sellers. E o que isso significa? Primeiro, isso NÂO significa que ele, necessariamente, venha sempre a produzir um arrasa-quarteirão, mas sim que escreva dentro de um padrão de resultados. Significa que esse jovem indiano, diretor de Sinais (Signs, EUA, 2002) – veja programação no roteiro – é uma astuto conhecedor do cinema e cria histórias simples, convergindo-as às regras canônicas da linguagem dessa arte, culminando em thrillers de razoável eficácia.
E não há nenhum mal nisso, principalmente se as regras são manipuladas com correção. Se faz o espectador despreparado, sentado ao seu lado, dar um pulo da poltrona, prendendo com a mão o grito na boca, naquele momento de clímax da história, então é bom. Cinema também está aí para isso. Mas não se engane, você já viu Sinais diluído em Hitchcock (Os Pássaros, de 1963), em Spielberg (Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de 1977, e E.T, de 1982) e, muito especialmente, nos subestimados Eduardo Sanchez e Daniel Myrick (A Bruxa de Blair, de 1999).
Desde cedo Hitchcock ensinou que muito do assustador já está incluso no “fazer esperar pelo assustador”. Shyamalan entendeu, e sabe que primeiro é preciso deixar seu público desnorteado. Sugerir, e não explicar. Foi assim no seu primeiro trabalho norte-americano, O Sexto Sentido – até agora ocupando a 10ª maior bilheteria de todos os tempos, foi assim em Corpo Fechado, mas nem é tanto assim com Sinais.
Como um bom contador de história, Shyamalan vai liberando, nesse último trabalho, parcas informações sobre seu protagonista e família. Parte do dia em que Graham (Mel Gibson), um ex-pastor, de fé abalada após a morte da esposa, encontra uma gigantesca formação de círculos no milharal de sua fazenda. Vivendo com o irmão (Joaquin Phoenix) e os filhos (Rory Culkin – o irmão de Macaulay – e a estreante Abigail Breslin), Graham instintivamente começa a procurar explicações racionais para o fenômeno.
Aos poucos, Shyamalan vai encurralando a lógica e começa a deixar tanto seu herói quanto o publico em dúvida. Com o timing afinado para intercalar ação e não-ação, o diretor prende a atenção, enquanto a fita roda, e não nos dá espaço para racionalizar (apenas intuir) sobre algumas situações que ali são sugeridas. A idéia é nos deixar sabendo apenas o que os personagens sabem, assim, vivenciamos a mesma tensão de um ataque premente. Ou seja, ninguém, nem personagem nem espectador, consegue pensar com clareza sob constante vigília.
MARCA – Vemos a assinatura de Shyamalan em Sinais quando observamos que, mais uma vez, suas histórias se fortalecem a partir da dúvida sobre assuntos nunca totalmente esclarecidos na cabeça do público comum. Seja de teor místico ou não. Quem nunca escutou um barulho estranho na cama enquanto tenta dormir? Quem nunca olhou pro céu e questionou se há vida inteligente lá em cima? E nesse universo, adultos nunca escutam as crianças, e estas sempre sabem mais que os adultos. Daí a presença marcante de moleques espertos (sempre bem dirigidos) nos três filmes americanos do cineasta.
Há um problema, no entanto. A conclusão de Sinais não é menos astuta que a de O Sexto Sentido, por exemplo, mas é bem menos satisfatória. Em o Sexto Sentido, é a emoção do garoto amedrontado (do início ao fim) que guia a platéia para o desconhecido. Em Sinais, quem pega na mão do espectador e conduz ao susto é o próprio desconhecido. Mesmo que aconteça através de velhas fórmulas do cinema (e talvez por isso mesmo), elas são competentes. A fórmula é amarrada por um elemento dentro da história: a falta de informação. O problema em Sinais é que, uma vez visualizado o mistério no final, a sensação de medo, construída durante todo o filme, se esvaece. Já em O Sexto Sentido, sabemos que um garoto vê gente morta, e essa tensão extrapola as fronteiras do próprio filme. Vai com você para casa.
Shyamalan sabe como controlar todos os aspectos da narrativa para conseguir provocar o efeito que deseja no público. Isso é talento sim. Mas talvez, apenas talvez, Sinais tivesse vida mais longa na memória do cinema se nem tudo fosse mostrado (com efeitos digitais) no final. É bem provável também que, terminada a sessão, a imagem que provoque sonho ruim no público seja justamente a mais difusa do filme, registrada (ficcionalmente) por um vídeo amador em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil.
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