Jogador N. 1
A vingança (virtual) dos nerds.
Por Luiz Joaquim | 29.03.2018 (quinta-feira)
No ano de 2010 foi lançado mundialmente Tron: O legado. Joseph Kosinski tinha, neste que era seu primeiro filme assinando a direção, a responsabilidade de dar continuidade a um clássico lançado 28 anos atrás. No caso, Tron: Uma odisseia eletrônica (1982), estrelado por Jeff Bridges sob a direção de Steven Lisberger.
Kosinski não nos deu um filme, digamos, marcante. Com aquela sua estreia o resultado foi previsível e, ao contrário do filme antecessor, apresentava técnicas de efeitos especiais que já não eram exatamente inovadoras, mas sim uma soma (reprodução) daquilo que a indústria vinha praticando até ali (leia crítica sobre Tron: O legado aqui).
Pulamos para 2018, mais precisamente hoje (27 de março), quando estreia no Brasil Jogador nº 1 (Ready Player One, EUA, 2018), dirigido por outro Steven, o Spielberg, cujo enredo é também impulsionado por um jogo virtual.
Ao contrário de O legado, Jogador nº 1 pode ser recebido sem nenhuma culpa por parte da cinefilia como aquele que representa e resignifica no cinema a evolução tecnológica e discursiva para o que Uma odisseia eletrônica, há longínquos 36 anos, lançou ao mundo. Enfim, quando o assunto for interação entre humanos e games, os filmes dos dois Stevens serão sempre lembrados.
No início, o que hoje chamamos resumitivamente de ‘games’ eram identificados como ‘videogames’. Uma vez que a barreira da bidimensionalidade quebrou-se, a palavra ‘vídeo’ foi para o espaço. E com fronteiras cada vez mais difusa, a confusão entre o mundo real e o virtual só aumentou (e ainda aumenta). É aqui onde Spielberg, estruturado pelo livro de Ernest Cline, dá origem a Jogador nº 1, colocando diante de nossos olhos um universo particularmente encantador.
O encanto, entretanto, tem um preço. Este preço se manifesta de maneira muito particularizado à época em que Jogador nº 1 nasce (segunda metade desta década 2010). O tal preço está no ritmo do filme.
Ainda que coerente e afinado com seu objeto de observação (os games) e com o seu público alvo – a) jovens (na idade ou no espírito); b: jovens interessados em cultura pop/cinema; c) jovens interessados em games –, este novo Spielberg parece exceder (ou entregar-se) a uma excessiva e, pior, reiterativa dinâmica das cenas de ação no último terço do filme.
Excetuando-se este aspecto, Spielberg faz aqui uma bela releitura sobre aquilo que ele inaugurou e estabeleceu tão bem para o cinema mundial com seu E. T.: O extraterrestre no mesmo ano (1982) em que surgiu Uma odisseia eletrônica. O ‘aquilo’, no caso, é transformar adolescentes e crianças ordinárias ou comuns em incomuns, em extraordinários; heróis, enfim.
A atualização brinca com a vida dupla e dependência que todo cidadão conectado à Internet vem experimentando (e intensificando) nos últimos dez anos.
Jogador nº 1 acontece no ano de 2045. E, ao estabelecer uma data, Spielberg cria automaticamente um clássico imediato, uma vez que em 2045, muito provavelmente, a mídia irá comparar o que este filme de 2018 imaginou num futuro 27 anos adiante. Drones entregarão pizza? Matarão pessoas? Roupas te darão a sensação tátil, na pele, ao estar ‘dentro’ de um game?
No 2045 distópico do filme, seguimos o pobre e órfão garoto Wade Watts (Tye Sheridan), 20 anos (ou seja, ele nascerá em 2025). Morando em Columbus, Ohio (EUA), o próprio Wade explica em off o seu nome engraçado, dado pelo pai (um fã da Marvel, instigado pelas adaptações do início deste século?) que queria brincar com a duplicação das primeiras letras na identidade secreta de super-heróis como Homem-Aranha (Peter Parker) ou Hulk (Bruce Banner).
Assim como Parker, o próprio pobre Wade mora com sua tia Alice (Susan Lynch) e se refugia – como quase que a totalidade da população mundial em 2045– no Oasis. Um universo virtual criado pelo falecido gênio, e igualmente tímido e recluso, Hallyday (Mark Rylance, Dunkirk, Ponte dos espiões).
Na infância, nos 1980, Hallyday encontrava refúgio nos jogos do Atari, e em particular no Advanced (lançado, olha só, em 1982)– pelo qual se refugiava do mundo real. Já falecido, o cultuado criador do Oasis, deixa um desafio aos usuários de seu universo: encontrar três chaves, que serão descobertas a partir de charadas consecutivas, para chegar ao Easter Egg (espécie de ‘ovo escondido’ dentro daquela ambiente virtual).
O vencedor se tornará imediatamente o detentor do Oasis e, consequentemente, um trilionário; além de passar a ser o sujeito mais respeitado e influente do mundo, seja o virtual ou real. O antagonista aqui é o executivo Sorrento (Ben Mendelsohn), dono da principal concorrente da Oasis, que possui um exército, os Sixers, para encontrar o Easter Egg. Sorrento também conta com um soldado virtual especial I-R0k (T. J. Miller), e uma soldado real, F’Nale (Hannah John-Kamen).
Completam o enredo os adolescentes Samantha/avatar Art3mis (Olivia Cooke), Helen/avatar Aech (Lena Waithe), Daito (Win Morisaki) e Sho (Philip Zhao), que se tornam amigos de Wade/avatar Parzival, ou apenas ‘Z’, no Oasis.
Jovem ou adulto, o espectador nerd que for a uma sessão de Jogador nº 1, será sequestrado por uma infinita aparição de referências do mundo pop (música, videogames, filmes), desde a abertura animada por Jump, sucesso do Van Halen lançado em 1984, até uma presença mais sofisticada deste artifício, quando Spielberg transforma situações de O iluminado (1980), de Stanley Kubrick, num game de horror.
Puristas do cinema poderão se irritar aqui, mas a ideia não é a da distorção, e sim a de homenagem. Jogador nº 1 é inteligente nesse sentindo ao captar o espírito dos nerds, de todas as idades, que mantêm em si um misto de devoção e deboche com aquilo que idolatram.
Do ponto de vista do discurso do filme, afinado aos dias de hoje, Spielberg nos aciona uma (entre outras) chave(s) quando apresenta uma singular situação. Acontece quando Wane/Z está no Oasis e visita uma espécie de videoteca virtual da vida do deus Hallyday.
Essa videoteca oferece imagens de diversos ângulos de todos os momentos da vida adulta de Hallyday. Por elas, Wade/Z pode encontrar pistas para vencer o jogo, ou seja, é pela observação sobre a vida real que, dentro do jogo virtual, nosso herói pode sair-se exitoso.
Em síntese, a vida virtual é sedutora e excitante, mas, uma vez que você não observe a vida real com atenção, é provável que até num jogo virtual você não consiga se tornar um legítimo vencedor.
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