Título pode ser o vilão do filme
Quem iria ao cinema para ver um filme chamado Ovo?
Por Luiz Joaquim | 16.03.2018 (sexta-feira)
— publicado originalmente em 21 de fevereiro de 2000, no Jornal do Commercio (Recife)
Toda criação artística vem carregada de paixão e envolvida por um violento desejo do seu criador de que ela surta algum efeito positivo. Seja um efeito emocional ou comercial. A coroação dessa obra deve ser, a princípio, o título que ela recebe. Um nome que concentre e represente, da maneira mais clara e objetiva, toda a carga informativa e sentimental deste trabalho.
Esta difícil tarefa está na pauta semanal de uma dezena de distribuidoras de filmes no Brasil, responsáveis pela autoria de títulos em português para produções estrangeiras. Não é raro, para quem domina outro idioma, ir ao cinema e tomar um susto ao observar que o título original do filme não corresponde em nada à versão em português indicada nas legendas.
Anna Luiza Muller, Assessora de Comunicação da Lumiére, reúne-se, durante todas as manhãs de quinta-feira, com o gerente de marketing, de vendas e a diretoria de programação para sugerir as alternativas de títulos das cópias que distribui no Brasil. “Cada um de nós leva uma média de três sugestões. Há casos em que o trabalho é rápido, pois o título original expressa universalmente o sentido do filme”. Como exemplo, ela cita O Paciente Inglês, que teve uma tradução fiel ao original. “Mesmo nestes casos, ainda pensamos em outros títulos”, diz.
Mas nem sempre é assim. A jornalista lembra que uma única palavra pode fazer muita diferença e cita Despedida em Las Vegas (Leaving Las Vegas). “Se fôssemos traduzir ao pé da letra, ficaria Partindo de Las Vegas ou Deixando Las Vegas. A simples decisão por Despedida deu um tom poético, além de soar melhor”, explica.
Outro bom exemplo do cuidado tomado pela equipe da Lumiére para encontrar a palavra exata aconteceu com A Viagem do Capitão Tornado. “Se adotássemos o versão original do título, ficaria A Viagem do Capitão Fracasso. Substituímos Fracasso por acreditar que essa palavra pudesse surtir um efeito repelente no público”.
O princípio básico adotado por todas as distribuidoras é manter o nome original de batismo. Leon Cakoff, responsável pela coordenação dos filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, leva esse preceito a sério. Ele está colocando no mercado um filme sobre Brian Slade, músico que transformou o comportamento e o gosto dos roqueiros em 71, levando vários garotos e garotas a pintar as unhas, o cabelo e explorar a sexualidade. “Resolvemos deixar o longa intitulado de Velvet Goldmine. Não duvido que algum outro distribuidor ficasse tentado a nomeá-lo como Nos Tempos da Purpurina”, brinca.
Muitas vezes é preciso adaptar o título à cultura local. Uma interferência que Cakoff considera pertinente foi o batismo que deu para Speak Up!, It’s So Dark (algo como: Desembucha! Tá Muito Escuro). O título brasileiro dá uma idéia mais abragente do enredo. Ficou: Um Skinhead no Divã. Outro motivo de orgulho para Cakoff é o título nacional da trilogia das cores de Kiewslowiski. “O nome original é Três Cores: Azul, Branca, Vermelha. A explicitação que demos, aliando as três cores às palavras chaves da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade), ajudou a despertar a curiosidade dos brasileiro”. fala Kacoff.
OVO – Quem iria ao cinema para ver um filme chamado Ovo? Esse foi um dos problemas que André Sturm, diretor da Pandora, e seu assessor de imprensa, Léo Mendes, tiveram que enfrentar para batizar o longa holandês originalmente intitulado de Ei. Depois de muito esquentar a cabeça, ambos chegaram ao nome de Correio Sentimental para sintetizar a história de um padeiro que, apesar de analfabeto, namora por correspondência com uma pessoa que conheceu através de um anúncio de revista. “O título holandês fazia referência à mania que o protagonista tinha em equilibrar ovos”, explica Mendes.
Algumas vezes o tiro sai pela culatra, e essa expressão até serviu de inspiração para a equipe de Gisele Nusman, gerente de marketing da UIP Brasil (distribuidora da Universal, Paramount, MGM e DreamWorks). O Tiro Que NÃO Saiu Pela Culatra é o título brasileiro para o filme Parenthood (que pode ser entendido como paternidade ou maternidade).
Nessa comédia, estrelada por Steve Martin em 89, não tem tiro nem culatra. O assunto são os conflitos entre duas gerações distintas, de pais e filhos. Três anos depois, outro filme com Martin também foi vítima de um trocadilho ruim de engolir. Leap of Faith (traduzível como ‘solavanco de fé), mostra um pastor canastrão que vendia milagres, e ficou conhecido no Brasil como Fé De Mais Não Cheira Bem.
A escolha do sub-título Três é Demais para a produção americana Rushmore (nome da escola no filme) também não foi uma decisão interessante da Buena Vista International. “O filme fracassou nas bilheterias”, conta o gerente de marketing Eduardo Rosemback. Quem também já teve problemas com uma titulação inadequada foi a Pandora com Mifune, terceiro filme da estética aplicada pelos dinamarqueses do Dogma95. “Cheguei a receber ligações de jornalistas perguntando se o filme era japonês”, revela Léo Mendes.
Por vezes é necessário seguir estratégias globais adotadas pelas companhias. Rosemback explica que precisou incorporar o nome Gadget para O Inspetor Bugiganga. “A letra G aparecia estampada em pôsters e trailers. Se descartássemos o Gadget, não faria sentido mostrar um G enorme na campanha de lançamento do filme no Brasil”.
Por outro lado, existem casos em que o idioma português permite variações que refletem melhor a história do filme. “O longa The Insider (aquele que participa de um grupo fechado) tornou-se O Informante”, exemplifica o gerente da Buena Vista, fazendo referência ao filme de Michael Mann que concorre a sete Oscars e tem estréia marcada no Brasil para a próxima sexta-feira.
Já Gisele Nusman chama a atenção para a necessidade de adequar o título nacional para a realidade brasileira. “Foi o que fizemos com A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Originalmente, o filmes chama-se Sleepy Hollow (nome da cidade onde tudo acontece), e não diz nada para o público daqui”.
INTUIÇÃO – A dificuldade aumenta quando algumas cópias atrasam por motivos diversos, como greve na alfândega, e o tempo curto obriga os tituladores a usar apenas as sinopses e o bom senso.
Outro drama que perturba os profissionais de marketing e comunicação das distribuidoras é a condição que alguns cineastas impõem, determinando que o título original seja mantido.
“Todos sabem do esmero com o qual Stanley Kubrick cuidava de seus trabalhos, e não era diferente quando seu filme ia para o Exterior. Ele exigia que o nome de batismo sempre aparecesse ou que fosse traduzido de forma literal”, fala Mendes da Pandora. “Por sorte nossa, nossa única cópia de Kubrick, Lolita, já tinha o nome referendado universalmente pelo romance de Nabokov, do qual o filme foi adaptado”.
Mas se há um ponto em comum entre os tituladores de todas distribuidoras, esse ponto é a preocupação em não usar palavras desgastadas para dar nome aos filmes. ‘Herói’, geralmente adianta a história; ‘amor’ não é mais tolerado nos títulos; ‘paixão’ e ‘vida’ são outras, entre dezenas de expressões, que acabam por comprometer o que está por trás do enredo. Para Leon Cakoff, usar palavras desse tipo “é a vulgarização do mercado. É menosprezar o quociente de inteligência do espectador”.
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