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Críticas

Em nome da América

De “boas intenções” a América está cheia.

Por Luiz Joaquim | 05.04.2018 (quinta-feira)

É boa a sequência de abertura do documentário Em nome da América (Bra., 2018), de Fernando Weller, estreando hoje no País. E é melhor ainda a de encerramento. Na abertura, vemos um homem, silenciosamente, varrendo a neve da calçada de sua casa, a qual estampa uma grande bandeira do Brasil. Ali não pode ser o Brasil. Além da neve alta, a arquitetura da casa é igualmente um elemento que denuncia. Qual, então, a razão respeitosa daquele homem com o país da bandeira? A curiosidade ganha mais músculo quando o vemos, em seguida, dedilhar ao violão uma Bossa Nova, cantando em português com seu sotaque gringo. Há já, aí, um bom pontapé dado por Weller para seu espectador, que certamente irá chutar a bola de volta ao realizador.

Sobre a sequência de encerramento não podemos dizer, mas não há problema em registrar que ela sintetiza, em termos concretos da imagem, o fracasso, como legado, da presença dos EUA por meio dos chamados ‘Voluntários da Paz’ em Pernambuco na politicamente tensa década de 1960. E é, entre essas duas sequências cinematográficas, isto é, no miolo de Em nome da América, que a pesquisa do realizador está interessada em avançar.

Na verdade, o fracasso, como legado, já é um dado em si. E isso é reforçado quando, a certa altura, escutamos no filme o seguinte depoimento: “Os EUA investiram mais dinheiro na assistência ao desenvolvimento em Pernambuco [nos anos 1960] do que em qualquer outro lugar. E, cinco anos depois, não havia nenhum traço de sua presença”. A fala, categórica, é de Stephen Dachi, antigo diretor dos ‘Corpos de Paz’ dos EUA no Brasil no início dos 1970, e Cônsul americano em São Paulo nos 1980.

Desse modo, as respostas importantes que o documentário busca são para as perguntas: a) de o porquê desse insucesso se considerarmos que os norte-americanos historicamente propagandeiam como exitosa e competente suas ações em outros países; e b) qual a real intenção dos EUA nesta região do País com os ‘Voluntários da Paz’ num momento em que os movimentos das Ligas Camponesas soavam como uma ameaça comunista?

Não que fossemos ingênuos há 50 anos para não desconfiarmos de possíveis interesses escusos do governo norte-americano ao enviar jovens bem-intencionados ao interior do Nordeste brasileiro. Pelo contrário. Nos vários depoimentos contemporâneos registrados pelo filme daqueles então jovens bem-intencionados, e hoje idosos simpáticos, fica claro que, à época, eles já eram questionados sobre seu trabalho. E não apenas por letrados, mas também pelos próprios camponeses pernambucanos a quem ajudavam.

O trabalho de Weller, que é professor da Universidade Federal de Pernambuco, percorre com seu filme um fio guiado por livros emblemáticos no assunto – em particular o A revolução que nunca houve, de Joseph Page (ou Joe Page). Nada incomum nisso, mas curioso observar como a simbologia do livro como força de um documento de legitimação histórica ganha bom espaço, enquanto imagem, aqui.

Da mesma maneira, como professor que é, Weller se apropria de diversas palavras escritas em papel recortados para, ao longo do filme, ir ajustando esse quebra-cabeça que ele deseja ajustar, nos lembrando traços que se desenha num quadro negro para ajudar o aluno em prol da compreensão de um comentário ou discurso.

Por outro lado, é impressionante (e sedutor) o volume de imagens de arquivos pesquisadas e conquistadas (pois uma coisa é encontrar imagens raras, outra é conseguir que sejam liberadas para estar em seu documentário) que o diretor acessa e nos mostra.

E é esse contraste, ainda que cansado na história do documentário, em mostrar passado e presente correlatos – seja por imagens ou depoimentos (com montagem magistral assinada por João Maria e CaioZ) – que empresta a Em nome da América a essência de algo revelador.

Há, ainda, um outro ponto sutil aqui (ou seria gritante?) que nos impele a perceber o filme como valioso para o Brasil de 2018. O doc chama a atenção para o fato de que aquilo que se articulou como ‘revolução’ há 50 anos foi sendo descortinado a olhos vistos e depois reconhecido como um golpe de estado. O trecho da entrevista que mostra o então embaixador dos EUA no Brasil entre 1961 e 1966, Lincoln Gordon, e sua maneira constrangida de responder sobre a tal ‘revolução’ não poderia ser mais eloquente. Duvida? Confira você mesmo.

Leia mais sobre Em nome da América clicando aqui, quando Fernando Weller revelou detalhes de sua pesquisa para este projeto, cujo nome atendia por Steven esteve aqui, em seminário no 9. Festival de Cinema de Triunfo, em 2009

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