Nunca Mais
Olho por olho, murro por murro
Por Luiz Joaquim | 11.04.2018 (quarta-feira)
–Publicado originalmente em 14 de Agosto de 2002 no Jornal do Commercio (Recife)
Logo no primeiro safanão que Slim (Jennifer Lopez) toma do marido Mitch (Billy Campbell) em Nunca Mais (Enough, EUA, 2002) – em cartaz na cidade (veja roteiro) – uma senhora, na platéia da sessão de pré-estréia, falou com vigor: “foi bem merecido”. Isso acontece lá pelos 30 minutos de filme rodado. Uma hora depois, é o marido que toma bordoada, sem piedade, de Slim. Nessa altura, todo o cinema está vibrando e torcendo com cada cacetada que o sujeito leva da esposa.
Esse quadro resume bem a opção maniqueísta de Nunca Mais tomada pelo diretor Michael Apted e pelo roteirista Nicholas Kasdan. Na trama, Lopez é uma garçonete que nunca sonhou com um bom casamento. Até que um rico engenheiro aparece na lanchonete, lhe conduz ao altar, faz uma filha (Tessa Allen), começa a lhe trair – com várias mulheres, claro – e depois passa a espancá-la. Curiosa é a opção descarada do roteirista Kasdan em resumir, com intertítulos sintéticos e inexpressivos, os primeiros cinco anos da vida do casal. Informações que poderiam ser reveladoras para a platéia não condenar com tanta instantaneidade o marido são substituídas pelas frases: ‘Como se conheceram’; ‘Para amar e respeitar’; ‘Nossa família feliz’ e ‘Você pode fugir’.
É claro que, com ou sem intertítulos, a violência não deve ser justificada. Ela não tem razão de existir e é isso que fica claro para o público quando Slim apanha do marido. Mas essa idéia civilizada vai se dissipando na cabeça do espectador na mesma proporção em que o marido vai sendo apresentado como uma caricatura. Algo parecido como uma massa descontrolada de testosterona sádica. A mudança de personalidade dele é tão repentina, e sua motivação em maltratar a esposa, por exemplo, é tão oca de sentido que fica difícil de imaginá-la além do estereótipo. Ou seja, a justificativa para o marido ser surrado vai sendo imputada cabeça adentro do espectador.
KARATÊ-MOTHER – Depois de tentar fugir, e ouvir da polícia e de um advogado que está encurralada, Slim parece não ter alternativas – na realidade, sim, existem, mas aqui no filme isso não interessa. Só resta, com a ajuda de seu pai (divertidamente interpretado pelo ex-durão Fred Ward de Remo – Desarmado e Perigoso) fazer um intensivo de artes marciais por um mês, e transforma-se numa dona de casa ninja para mostrar ao maridão que em mulher não se bate nem com uma flor.
Lopez, cuja carreira começa a ganhar robustez no conceito dos produtores de Hollywood (sic), deveria ser mais seletiva. Não há nada mais perigoso para quem atua do que interpretar um papel pesado num roteiro peso pena. O resultado é que, mesmo com seu personagem malévolo, é o ator Billy Campbell quem rouba as cenas. Há ainda a filha do casal que, depois de dez minutos berrando roboticamente “Mommy!! Mommy!!” faz você desejar que o equipamento de som do cinema sofra um pane. Curioso é lembrar que o roteirista Kasdan já foi mais brilhante quando o assunto é atrito matrimonial (vide O Reverso da Fortuna).
Em resumo, a mensagem (assustadora) deixada por Nunca Mais é a mesma contida num conselho de Ginny (Juliette Lewis) a melhor amiga de Slim: “Homens são como minas. Não tem erro. Explodem mais cedo ou mais tarde”. E como se não bastasse a ética e a moral atrofiada, vendida pelo sentido de justiça “olho por olho, dente por dente”, o longa prova sua competência em anestesiar o senso crítico do público uma vez que, no final, todos querem mesmo é ver porrada, sem dar a mínima para o fato de que aquelas duas pessoas que tentam se matar na nossa frente são marido e mulher.
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