53. Cannes (2000)
Um festival que cada vez mais passa a atrair a mídia, para além da crítica especializada e realizadores
Por Luiz Joaquim | 08.05.2018 (terça-feira)
– publicado originalmente em maio de 2000 no Jornal do Commercio (Recife).
Todos os anos, no mês de maio, um balneário francês, a 903 quilômetros de Paris, transforma-se no lugar mais importante do planeta para os olhos daqueles que enxergam o cinema com carinho. É em Cannes o espaço onde se reúne pela primeira vez a melhor concentração de novidades cinematográficas que o mundo produz. Pelo segundo ano consecutivo, o Jornal do Commercio vai publicar, com o apoio da Aliança Francesa, matérias exclusivas da 53ª edição deste Festival Internacional de Cinema de Cannes. O crítico do JC, Kleber Mendonça Filho, vai estar no evento que começa na próxima quarta-feira, às 19h (14h em Brasília), com a projeção de Vatel, do Roland Joffé, com Gérard Depardieu e Uma Thurman.
Passar pela seleção de classificação e participar do evento é uma espécie de passaporte para o reconhecimento mundial. Ser um dos premiados então, é a garantia de respeito pela crítica especializada de qualquer idioma que abrigue a palavra ‘cinema’ no vocabulário. Durante 12 dias, um júri composto por nove personalidades, entre eles Jeremy Irons, Jonathan Demme e Kristin Scott Thomas, serão presididos por Luc Besson (diretor de Joana D’Arc) para escolher um vencedor entre os 25 longas vindos de vários países (inclusive o Brasil) na competição oficial.
Cannes tem a saudável peculiaridade de colocar veteranos disputando a mesma Palma de Ouro (prêmio máximo do evento) com jovens talentos desconhecidos. Dessa forma, estão em pé de igualdade o ‘dogmático95’ Lars Von Trier, com seu Dancer in The Dark (com Catherine Deneuve e a cantora Björk); os irmãos Coen, em O Brother, Where Are Thou (com George Clooney e Holly Hunter) e Nagisa Oshima (O Império dos Sentidos). O diretor japonês polemiza agora com Gohatto, falando da homossexualidade entre os samurais. No elenco, Takeshi Kitano, que encantou o mundo em 1997 com Hana-bi.
Também na mostra oficial Liv Ullman, discípula de Ingmar Bergman, com Trolosa; Neil Labute (diretor americano apresentado ao mundo por Cannes em 1997 com Na Companhia de Homens) com Nurse Betty; e a iraniana Samira Makhmalbaf (A Maçã) que, aos 20 anos, é a competidora mais jovem a concorrer à Palma com Tkhate Siah (O Último Filme).
PARALELAS – Correndo por fora da mostra competitiva de longas e curtas, acontecem outras três categorias de exibição: Special Screenings, Un Certain Regard e Cinefoundation. Nenhum dos filmes exibidos nessas mostras disputam prêmios, mas Cannes inclui os participantes dessas categorias na concorrência pelo troféu Camera D’Or (desde que o filme esteja estreando mundialmente no Festival).
O Special Screening são sessões concorridas, já que, na maioria das vezes, os trabalhos são de cineastas que já levaram algum Palma de Ouro para casa. Como é o caso de Rolland Joffe, dono do título de melhor filme do ano em 1986, com A Missão. Participando com Joffe no Special Screening está Ang Lee (Tempestade de Gelo), com Crouching, Tiger, Hiden Dragon.
Um dos destaques da sessão Un Certain Regard é Asi Es La Vida, de Arturo Ripstein. O espanhol dirigiu o ótimo Vermelho Sangue, e que esteve no balneário Francês ano passado com Ninguém escreve ao Coronel. Atenção também para Capitães de Abril, da portuguesa Maria de Medeiros, e para Famous, dirigido pelo ator de Depois de Horas, Griffin Dunne.
Pela terceira vez, Cannes promove a mostra Cinefoundation. A intenção aqui é descobrir, divulgar e encorajar estudantes de cinema. A categoria exibe curtas e médias, divididos entre ficção e filmes animação. No final, o Cinefoundation garante a três diretores que seu primeiro longa-metragem será exibido em Cannes. Nada mal.
BRASIL – Para felicidade dos cinéfilos brasileiros quatro obras verde-amarela vão marcar presença na cote d’azur francesa nessa 53ª edição de Cannes. No próximo domingo Ruy Guerra exibe o seu Estorvo, e concorrendo à tão cobiçada Palma de Ouro. O longa é baseado no romance homônimo de Chico Buarque. Quem vive o protagonista da história é o ator cubano Jorge Perugorria (de Como Água para Chocolate).
Eu, Tu, Eles, de Andrucha Waddington, está na mostra Um Certo Olhar. Este é o segundo longa de Waddington (o primeiro foi Gêmeas, com a esposa Fernanda Torres). Em Eu, Tu, Eles, Regina Casé é Darlene. Uma mulher que reside em Russa, um vilarejo em algum lugar do Nordeste, onde vive com seus três maridos, interpretados por Lima Duarte, Stênio Garcia e Luis Carlos Vasconcelos (de O Primeiro Dia).
Três Minutos, de Luiza Azevedo, foi de Porto Alegre para Cannes e concorre à Palma de Ouro de curta-metragem. O filme é uma brincadeira a partir do espaço do tempo do título, que permite deixar uma mensagem na secretária eletrônica, passar um batom correr 1.600 quilômetros ou tomar uma decisão que pode mudar sua vida. O quarto filme é conhecido dos recifenses. Esteve no ultimo festival de cinema da cidade e arrebatou a atenção do público. Trata-se da animação De Janela Para o Cinema, de Quia Rodrigues. Em 14 minutos, o curta faz um divertido tributo ao cinema através de citações de 60 filmes com bonecos de massa caracterizados em ambientes clássicos da sétima arte.
TELEVISÃO – Está é uma das mais significativas participações do Brasil em Cannes nos últimos anos. A queda da presença brasileira reflete a própria situação da produção tupiniquim. Reflete também a mudança no perfil do evento. Mudou a relação de Cannes com a economia cinematográfica internacional. Sua seleção reflete a preocupação do cinema europeu de se defender do americano. Além disso, o evento cresceu muito para a mídia. Antes era um acontecimento que interessava mais à imprensa escrita, à crítica, aos próprios realizadores. Hoje, é cada vez mais um evento voltado para a televisão.
A propósito, o programa CineView, exibido às 21h25 de segunda a sábado pelo canal Telecine 1 (Net/Sky), vai trazer imagens do Festival a partir de terça-feira. No dia 9, fala da história do festival; dia 10, comenta a programação da edição 2000; dia 11, exibe uma matéria sobre a abertura; dia 22, mostra os premiados; e dia 23 apresenta um programa completo com o balanço do festival.
Os Prêmios do Brasil em Cannes (até o ano 2000)
1953 O Cangaceiro, de Lima Barreto – Melhor Filme de Aventura
1962 O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte – Palma de Ouro
1969 O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha – Melhor Direção
1977 Di, curta de Glauber Rocha – Prêmio Especial do Júri
1982 Meow, animação de Marcos Magalhães – Prêmio Especial do Júri
1986 Eu Sei Que Vou Te Amar, de Arnaldo Jabor – Melhor Atriz para Fernanda Torres
Júri dos longas
Luc Besson, Président
(Réalisateur, France)
Nicole Garcia (Réalisatrice, ACTRICE, France)
Arundhati Roy (Ecrivain, Inde)
Aitana Sanchez-Gijon (Actrice, Espagne)
Kristin Scott Thomas (Actrice, Grande-Bretagne)
Barbara Sukowa (Actrice, Allemagne)
Jonathan Demme (Réalisateur, Etats-Unis)
Jeremy Irons (Acteur, Grande-Bretagne)
Mario Martone (Réalisateur, Italie)
Patrick Modiano (Ecrivain, France)
Júri dos curtas e do cinefoundation
Luc Dardenne
Francesca Comencini
Claire Denis
Mira Sorvino
Abderrahmane Sissako
Em tempo – Em 14 de outubro, Gilles Jacob deixa cannes Pierre Viot pediu para se aposentar após encabeçar o evento por mais de 15 anos. É o principal responsável por nos fazer lembrar que o cinema é do mundo, e não uma exclusividade de Hollywood.
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