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Críticas

Enigma

Michael Apted não consegue aquecer o espectador com esse filme que não se decide sobre sua personalidade.

Por Luiz Joaquim | 03.05.2018 (quinta-feira)

Publicado originalmente 30 de Junho de 2002

Frio. Talvez seja essa a primeira palavra que venha à cabeça do espectador, ao sair da sessão, para adjetivar Enigma (Enigma, EUA, 2001). Mas há quem goste de frio, porque proporciona um incômodo agradável. O problema é quando o público não tem proteção térmica, e o filme, dirigido por Michael Apted, sofre, justamente, pelo seu deficiente ‘sistema de calefação’ narrativo. E se o espectador estiver desprovido de, digamos, um edredom histórico, então o enredo xadrezista de Enigma pode tornar-se gélido.

A coberta histórica é importante porque a trama do longa nos arremessa em Bletchley Park, um campo britânico famoso (mas secreto) durante a Segunda Guerra Mundial. Era lá que ficava abrigada uma nata de decifradores de códigos de guerra. E é para lá que está voltando o matemático Tom Jericho (Dougray Scott – a la Russel Crowe em Uma Mente Brilhante). Semi-recuperado de um colapso nervoso pelo rompimento com a loira fatal Claire (Saffron Burrows), Jericho retorna ao acampamento para trabalhar numa emergência – decodificar o shark, ou melhor, mensagens Enigmas com código modificado pelos nazistas. Elas contêm informações essenciais para uma frota de submarinos U-boat, no Atlântico. O objetivo desses submarinos de Hitler é bombardear um comboio de navios, a caminho da Europa, abarrotados de mantimentos e com uma vasta tripulação.

Posta a situação, Apted conduz o longa relevando o elemento vital a um thriller: tensão. Ao concentrar-se no falatório disposto pelo roteiro de Tom Stoppard (baseado no romance de Robert Harris), o diretor de Enigma parece se perder na fascinação pelos diálogos enaltecendo o raciocínio lógico. É seco e plácido. Há, porem, um artifício romântico, que divide a devoção de Jericho pela misteriosa Claire, e o envolvimento dele com a colega de quarto da moça (Kate Winslet, à vontade, como uma pseudoboboca). Mas, ainda assim, a condução de Apted nunca parece sair do chão, ou, aquecer o espectador.

Esse problemático ‘sistema de calefação’ narrativo até sopra um bafo quente na primeira metade do filme. É quando conhecemos, simultânea e continuamente, o presente e o passado de Jericho. Aqui, Apted comete flashbacks inspirados que, junto a uma produção cuidadosa, é tudo que Enigma oferece. No final, a subliminar ideia fica perdida, ao tentar remeter ludicamente a personagem Claire como o real enigma indecifrável. A sensação geral propõe que fomos logrados, na medida em que somos (mal) apresentados a um thriller de espionagem romântico – ou seria um romance impregnado por espionagem? Escolham.

Leia também crítica do filme O jogo da imitação (2014).

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