Fahrenheit 451
Mais um comentário (de 1997) do que uma crítica, de um entusiasta sobre a obra visionária de Bradbury
Por Luiz Joaquim | 18.05.2018 (sexta-feira)
– publicado originalmente em 15 de abril de 1997
Muitas pessoas discutem, hoje em dia, sobre a possibilidade do fim dos livros por conta dos computadores e da rede mundial de informação “internet”. Em 1966, François Truffaut transformou em filme o livro de ficção científica “Fahrenheit 451” , do americano Ray Bradbury.
Fahrenheit… conta a história de um bombeiro. Mas, no futuro, a função dos bombeiros não é apagar fogo, e sim, produzir fogo. Sim…produzir fogo… queimando o que há de mais maléfico para a sociedade: livros. 451 graus na escala Fahrenheit é a temperatura em que as folhas dos livros começam a queimar.
Os livros são perigosos. Os romances, por exemplo, falam de pessoas que nunca existiram e deixam os leitores infelizes com as próprias vidas porque passam a desejar viver o que nunca será possível. Filosofia é pior que romance. Pensadores e filósofos não prestam. Estão sempre dizendo que só eles estão certos. Os escritores são apenas vaidosos que escrevem para olhar os outros com desdém. Biografias? São apenas histórias de mortos.
No futuro de Fahrenheit… tudo isso deve ser exterminado, pois não pode haver diferenças entre as pessoas. A felicidade da humanidade depende do fim dos livros. E, dessa forma, autores como Miller, Tolstoy, Walt Whitman, Faulkner, Schopenhauer, Sartre, Camus, etc., são queimados diariamente e a cultura humana vai sendo banida. A felicidade horizontal, o conforto padronizado e o bem-estar adormecido devem ser conquistados.
E qual o efeito da ausência dos livros? A ansiedade das pessoas, sua gradual dificuldade de raciocínio e perca de memória, a morte do exercício de pensar, o fim da vida interior. Os jornais, por exemplo, são feitos apenas com gravuras, como uma história em quadrinhos, mas sem palavras. No futuro, o maior sucesso são as telas de parede.São imensos televisores com espessura mínima. (Será que esse futuro já chegou?). E o grande programa de entretenimentos são as “famílias”, no qual os telespectadores participam, interativamente, do programa. (Será que já não conhecemos isso? ).
Ao vermos o filme somos tomados por um sentimento de angústia com medo do perigo iminente. Tudo isso porque o tempo de ação do filme é bem parecido com o NOSSO tempo. Sim. Pois não é verdade que, hoje, a criança não lê, o adolescente não lê, o adulto não lê? Essa verdade seria revoltante se não fosse deprimente (ou é melhor dizer: “seria deprimente se não fosse revoltante”?).
O desprezo, inclusive pelo universitário, para com a infinita riqueza da cultura dos homens, sacramentada na literatura causa indignação. Será que não se percebe que, por trás de cada livro, há um homem? Será que não se percebe que, por trás de cada livro, há uma VIDA?
No filme, o livro é acusado de deixar as pessoas anti-sociais. Mas…espere um momento…se o futuro é hoje, e se as pessoas estão expressando seus sentimentos por intermédio de um “quentíssimo” teclado e um “ardoroso” monitor, por trás do qual está uma pessoa do outro lado, supostamente, legal, então me respondam: de quem é a culpa do isolamento dos moderninhos? Do livro? Ou dessa rede? E o pior (essa é a melhor parte), as pessoas acham isso…legal!?! Ei! Acordem!!! O legal é olhar nos olhos.
Todos sabem do amor de Truffaut ao cinema, mas, com esse filme, ele explicitou, acima de tudo, seu respeito pela inteligência, pela liberdade de expressão e aos livros, que concentram tudo isso. Parabéns a sensibilidade de Bradbury e Truffaut.
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