13. CineOP (2018) – debate ‘Vanguarda Tropical’
Primeiro debate da mostra fez relações potentes entre o ontem e o hoje a partir do ‘Tropicalismo’.
Por Luiz Joaquim | 16.06.2018 (sábado)
– na foto de Beto Staino, o prof. Celso Favaretto, a mediadora Lila Foster, Ivana Bentis, João Luiz Vieira.
OURO PRETO (MG) – Já no primeiro debate promovido pelo 13º CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto (ontem, 15, pela manhã) foi dado o recado do peso que circula por aqui – e isso já não é de hoje – quando o assunto é refletir nossa cultura cinematográfica. O tema proposto – Vanguarda tropical: O cinema e outras artes -, e os nomes que compuseram a mesa expandiram a discussão para outros campos da expressão artística para além do audiovisual.
Tanto que a muito boa fala inicial do professor da Universidade de São Paulo, Celso Favaretto, desfiou a ideia de um “jogo de ambivalência” pelo qual o artista Hélio Oiticica (1937-1980) explora fortemente em seu texto A trama que treme (1968). Antes, lembrou que o momento pós-Golpe 1964 relativizou a ideia na classe artística de que a arte teria um poder social inquestionável. “A ruptura com isso estimula as manifestações da segunda metade dos anos 1960, que é o momento tropicalista da cultural brasileira”, apontou.
Pelo mesmo artigo de Oiticica, o professor citou Mário Pedrosa, quando dizia que “era o inconformismo estético e social que davam a tônica das produções artísticas dos 1960” e que “o Brasil é um país fadado ao progresso”, citando como exemplos Brasília, a Bossa Nova e Tropicalismo. “Estávamos condenados ao moderno”.
Como exemplo de que todas as proposições manifestavam uma unidade sintomática de ação, Favaretto fez uma lista de criações pulsantes no ano de 1967 que viriam abrir as mentes para o vindouro universo tropicalista. Foram eles a mostra de arte visual Nova objetividade brasileira, em abril, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; o lançamento de Terra em transe, em maio, de Glauber Rocha; o lançamento em junho do livro PanAmerica, de José Agrippino; a estreia de O rei da vela, em setembro, de Zé Celso Martinez Corrêa; a composição de Tropicália, de Caetano, entre agosto e setembro; o surgimento da canção Alegria Alegria, no festival de música de outubro; além da estreia da peça Arena contra Tiradentes,de Augusto Boal, e do livro de Antônio Callado, Quarup. Tudo em 1967.
“Desdobravam-se assim”, contextualizou o professor, “as proposições de signos que compunham emblematicamente a resistência ao regime militar. E nessa assimilação da indústria cultural, apresentando a modernidade, a atividade tropicalista foi a mais eficiente. Estava numa sintonia com o imperativo de nossa destinação ao moderno. Essa criticidade iria alterar os termos estabelecidos desde os anos 1950 – inclusive aquele que dizia que sem o povo o processo seria algo alienado”.
Favaretto encerrou sua fala trazendo a ideia do Brasil diarreia, do Oiticica – “é preciso dizer que o ‘termo absoluto’ é envelhecer-se, cair em termos paternalistas. A dificuldade é assumir a ambivalência. Nada deve excluir a multiplicidade cultural. Assumir e deglutir a mobilidade dessa cultura é construir. É preciso destripar a diarreia do Brasil. Mergulhar na merda”.
E a presença marcante dessa ambivalência aparece na letra da canção Geleia geral, de Gil e Torquato Neto. “As mazelas do Brasil são destacadas por contrastes, como ‘a doce mulata’ e o ‘Sinatra’. O maracujá, para nos deixar calmos, no abril tenso do Golpe, por exemplo”.
Encerrando, Favaretto explicou que na ideia de “devoração” do tropicalismo não há a aniquilação do outro, mas a conjungação das duas culturas. Daquele que devora e do que é devorado. A arte não era para ser recebida, mas para provocar intervenções naqueles que a recebiam.
O professor João Luiz Vieira, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, iniciou sua participação também lembrando de 1967, mas para registrar uma memória pessoal: “Naquele ano, aqui, participei de meu primeiro curso de cinema, no 1º Festival de Inverno de Ouro Preto”.
João Luiz organizou sua fala em três momentos, quanto pautou-se pela percepção do tropicalismo no cinema. Começou falando do impacto do AI-5 em 1968, indo até no que resultou nas produções cinematográficas no início dos 1970.
Depois de mencionar o contexto social e fora do Brasil (maio em Paris de 1968, a Guerra do Vietnã, entre outros) discorreu sobre a estética daquele momento: uma estética que provocasse desconforto, que combatesse o então quadro conservador. Havia um desejo de sacudir a classe média e os intelectuais. “E isso acontecia literalmente, em algumas peças sacudia-se literalmente a público na plateia”, lembrou.
No cinema, ressaltou João Luiz, “O bandido da luz vermelha é o filme síntese. Há ironia, sátira, paródia. Esses efeitos são fortes e há a crítica, inclusive, à filmes de arte”. Ainda sobre O bandido… o palestrante lembra que sua colagem de gêneros e linguagens – filme noir, ficção científica, novela de rádio, HQ -, a intertextualidade mostra-se desconcertante e antropofágica, com incongruências e uma celebração do grotesco, do kitsch. Fazendo de São Paulo uma periferia do mundo”.
No segundo momento, o professor aponta a presença de traços tropicalistas entronizados em filmes como Macunaíma (1968), pelo qual surge a quintessência da discussão sobre o que seria a identidade nacional, aqui num filme agressivo. “Cito a cena da transformação do Macunaíma negro num príncipe aloirado, de papel crepon, de mentirinha, sob a trilha de “Ceci e Peri” [sucesso no carnaval de 1937], cantado pelo Trio de Ouro”.
João Luiz citou ainda Os herdeiros (1970), De Cacá Diegues; Copacabana me engana (1968), do Antônio Carlos da Fontoura; e Brasil anos 2000 (1969), de Walter Lima Jr. “Mas quando vamos ao Cinema Marginal, vemos uma ostentação do mau gosto. Saímos da ironia do Cinema Novo e vamos ao vômito literal do Cinema Marginal, com seu sarcasmo”.
No terceiro e último momento, o convidado concentra a fala sobre Terra em transe (1967), de Glauber, quando este “antecipa a exasperação, o desconforto do povo, e faz uma crítica implacável ao populismo, colocando em questão os dilemas do intelectual engajado”. O filme cutucaria assim a ferida, relativizando o pensamento progressista de então.
O professor encerrou destacando que “esta terra endêmica parece em constante transe, e com o filme sendo exibido várias vezes ano passado, pelo seu cinquentenário, reforçou-se a ideia de que ali o Brasil perdeu a inocência”.
Entre 1968 e 1973 surgem os filme adaptados da literatura, históricos, mas sempre falando do momento presente. Citou os exemplos Azyllo muito louco (1970), quando Nelson Pereira dos Santos faz uma adaptação de O alienista, de Machado de Assis; Como era gostoso meu francês (1973), também do Nelson; e Pindorama (1971), de Arnaldo Jabor. “Estes filmes eram respostas artísticas à repressão política. A linguagem era codificada, mas expressava revolta”.
A última fala ficou com a pesquisadora Ivana Bentes, da Universidade do Rio de Janeiro. A professora fez uma relação do conceito tropicalista com os acontecimentos pós-2013 no Brasil, até 2016. “A frase ‘Da diversidade vivemos’, da Tropicália, pode ser utilizada facilmente hoje”.
Bentes afirma que “podemos pensar na reinvenção do Brasil no passado como uma proposta bem sucedida em termos globais, incluindo moda, televisão. A antropofagia, o Cinema Novo e o Cinema Marginal ainda são referência para a nossa ideia de modernidade. Há de se incluir a minissaia, a pílula e o feminismo, tendo a figura da Helena Ignez como figura central”.
Daí, Bentes chama a atenção para o que chama de a “desinvenção do Brasil” na última década. “Nos últimos 13 anos, uma mutação antropológica abalou os mitos fundadores dessa modernidade”.
E ainda destaca que “as cotas raciais demoliram a narrativa apaziguadora da ‘mistura das raças’ e da ‘escravidão doce’, indo para um discurso forte sobre o LGBT, o feminismo, e os corpos trans, quando o machismo e o patriarcalismo nos viola”. Ou seja, “a ‘Bancrocacia’ vem sendo confrontada nos seus privilégios”.
Pelas pautas postas pela sociedade entre 2013 e 2016, Bentes pontuou alguns aspectos: Os limites de instituições, como as mídias e os partidos; o discurso do ‘não me representa’ e da ‘sub-representação’; a crise de representatividade política dizendo o que é arte e o que não é arte.
Como ponto de inflexão nos dias de hoje, a pesquisadora cita a Mídia Ninja reinventando o Cinema Direto, a Câmera Cega, o Plano Direto. Tudo isso vai na direção de um cinema experimental, como um cinema tropicalista contemporâneo. Usando a linguagem do escracho.
Falou do que chama do “Desorganizadores”, uma nova multidão – a Classe C, a nova classe média, os novos espaços públicos, as redes sociais. Lugares e pessoas que se apropriam das imagens sem preocupar com a autoria, algo que era caro nos 1960. “Se a imagem é potente, elas são usadas sem critério”.
Isto leva ao conceito de ‘Memética’ e as viralizações da indignações no contexto do Brasil, como a ‘Marcha da liberdade’, ‘Marcha das Vadias’, ‘Fora Feliciano’, ‘Petição Online’, etc. E encerrou sugerindo o conceito do autor James Hunter (1991), o de ‘Utopia, Distopia, Apocalipse Now’, para sintetisar o momento em que vivemos.
– Viagem a convite da Mostra.
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