2 Filhos de Francisco
Um cinema que mexe com os valores da música sertaneja
Por Luiz Joaquim | 31.07.2018 (terça-feira)
– publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco em 19 de agosto de 2005
Breno Silveira, diretor de 2 filhos de Francisco (Brasil, 2005) fez um filme honesto. De sentimento honesto. E por isso mesmo agradou a crítica especializada e deverá encantar o habitual frequentador de cinema, além de, claro, deixar lágrimas nos fãs de Zezé di Camargo e Luciano, a dupla sertaneja aqui cinebiografada.
Por ocasião da entrevista coletiva no Recife, concedida semana passada pelos dois pop-stars country de Goiás, Mirosmar, ou melhor, Zezé de Camargo, até brincou com a boa impressão que o filme causou na imprensa. Fazendo um gesto obsceno, o artista disse “vocês (críticos) acharam que iam ver um filme ruim, né? Se f……!!!”.
Em parte, Mirosmar estava certo, pois, não só a crítica, mas todos aqueles que não guardam interesse pela melodia e voz da dupla, reservam um pré-conceito natural contra tudo o que pudesse vir deles. A parte que o cantor não vislumbrou em seu comentário deselegante é que 2 filhos de Francisco é um filme de Breno Silveira e não de Zezé di Camargo e Luciano.
Isso significa que o mérito da boa qualidade na obra é, em grande medida, do diretor e roteiristas (Patrícia Andrade e Carolina Kotscho, com colaboração de Domingos Oliveira), dos ótimos atores (em particular Ângelo Antônio, como Francisco) e da competente equipe técnica da Conspiração Filmes.
Tudo bem que a intermediação de Welson, ou melhor, do cantor Luciano e de toda sua família alimentando as roteiristas com informações sobre a trajetória dos cantores enriqueceu a obra, mas de nada adiantaria um amontoado de informações sem um processamento e adequação dessas informações para o idioma ‘cinema’.
A cada ano a Conspiração lança um diretor no mercado (Waddington, Cláudio Torres, José Henrique Fonseca, Arthur Fontes) e Breno sabia que este seria seu ano. Com um projeto pessoal na manga (contando a história de amor entre um favelado e uma garota de classe alta), Breno se viu compelido a levar aos cinemas a história da dupla que já vendeu mais de 22 milhões de discos.
Essa última informação traz nela, quase impregnada, a noção de que os produtores queriam atingir esses consumidores. Isso não é uma inverdade, mas eles também deixaram claro que querem arrebanhar também os preconceituosos que, nas palavras de Mirosmar vão “se f….” sentido culpa ao ver um filme tão bom.
Como bem comentou Breno Silveira, o que parece mais improvável no filme, acontecendo na vida de Zezé di Camargo (11 anos mais velho que Luciano), foi puro fato. Por exemplo: a infância miserável num vilarejo no interior de Goiás, a tentativa frustrada, ainda na infância, do menino Mirosmar e seu irmão Emival, formarem uma dupla-mirim e, acima de tudo, a determinação do pai Francisco, um abnegado na construção da carreira dos filhos.
Além de ter nas mãos uma bela história pronta, o estreante diretor Breno (mas experiente fotógrafo cinematográfico) foi feliz nas opções de locação, de direção de atores e narrativa cinematográfica.
Feliz na locação porque a primeira e mais interessante parte do filme se passa na casinha de taipa onde nasceu Mirosmar há 43 anos. Essa escolha de filmar no local agregou uma veracidade positiva e convincente. Foi feliz na direção de atores, pois deixou eles falaram com o silêncio nos momentos mais dramáticos da história, como quando Francisco e esposa Helena (Dirá Paes) descobrem que um dos filhos não poderá mais andar. E feliz na narrativa, livre dos vícios das produções do circuitão.
2 filhos de Francisco perde um pouco, claramente, do seu ritmo quando Mirosmar cresce (interpretado por Márcio Kieling) e vai a São Paulo. O problema não está propriamente em Kieling, que recebeu bom tratamento de caracterização para parecer com o músico, mas na ausência de Ângelo Antônio e Dira Paes que encantam com suas performances naquele lugar bucólico e cheio de brasilidade onde nasceu o menino Mirosmar.
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