A Queda! As Últimas Horas de Hitler
Um bom exemplar entre o ‘cinema para a razão’ e o ‘cinema para os sentidos’.
Por Luiz Joaquim | 30.07.2018 (segunda-feira)
– publicado originalmente em 6 de maio de 2005 no jornal Folha de Pernambuco
Um espetáculo. Não há exagero em assim adjetivar A Queda: As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang, Alem., 2004), filme de Oliver Hirschbiegel que acompanha, como um olho próximo, a intimidade de um dos líderes mais odiado e controverso da história universal. Na pele do ditador está o ator alemão Bruno Ganz (um dos anjos de Asas do desejo), administrando uma interpretação sanguínea e intimidante. Sem querer minimizar a primazia alcançada por Ganz, sua performance é apenas um dos elementos que fazem de A queda um título de equilíbrio exemplar entre ‘cinema para a razão’ e ‘cinema para os sentidos’.
O primeiro caso ganha relevância no filme pela lucidez com qual mostra a decadência do füher em Berlim, prestes a perder o 3º Reich. O segundo pela profusão de sons que invade todo a área da sala de projeção, em particular nas sequências de explosões. A queda é impecável nos quesitos técnicos. Maquiagem discreta, e competente por isso. Trilha sonora quase imperceptível, e competente por isso. Direção de arte sutil, e competente por isso. Fotografia fria e enquadramentos padrões, e competentes por isso.
Mas não são apenas essas as razões pela qual o filme tem chamado atenção desde fevereiro, quando estreou no Festival de Berlim. O rebuliço gira em torno da projeção de um Hitler amoroso com sua cadela Blondi, emocionado com a fidelidade da companheira Eva Brown (Juliane Köhler, de Aimée & Jaguar) e gentil e paciente com a secretária Traudl Junge (Alexandra Maria Lara). A propósito, o roteiro de Bernd Eichenger foi escrito a partir dos escritos da própria Junge (falecida em 2002) além das obras de Melissa Müller e Joachim Fest.
A perspectiva de Junge é a mais privilegiada em A queda. E é graças a esse filtro ingênuo chamado Jungle, aos 24 anos em 1945, que Hitler ganha uma coloração humana no filme. Curiosa e equivocadamente, uma onda conservadora vem se manifestando contra o filme alemão acusando-o de estar minimizando a ideia de monstruosidade em torno da figura do füher.
Acusar A queda desse crime soa tão grosseiro quanto qualquer outra preconceituosa acusação. Se por um lado a obra nos torna íntimo, ao colocar lado a lado do ditador no momento mais difícil de sua carreira, por outro, temos a chance de vê-lo em ataques de fúria (ao acusar seus generais de traidores), de absoluta insanidade autoritária (quando ordena que uma tropa de civis defenda Berlim dos avanços da Rússia), e um deprimente e patético desvario (ao nomear uma piloto em general das forças áreas alemã de uma Alemanha já devastada).
O mais próximo de compaixão que se sente pelo personagem é a da estupefação que se costuma ter com a atitude dos loucos violentos, mas nunca a que se tem pelos loucos com mania de perseguição. Pelo contrário, A queda só deixa mais saliente como era descomunal a paranoia megalomaníaca de Hitler.
Com a responsabilidade de representar tudo isso, Bruno Ganz assombra com explosões de cólera instantâneas e com o controle total sobre a postura corpórea do füher, em particular no problema com o mal de Parkinson, que o ator estudou em pacientes num hospital suíço antes das filmagens. Ao final de A queda, temos a imagem forte da verdadeira Traudl Junge, numa entrevista que deu para o documentário Eu fui a secretária de Hitler (Im toten Winkel – Hitlers Sekretärin, 2002). Aqui, ela confessa para a câmera que a inocência de sua juventude não deveria ter sido motivo para embaçar sua visão a respeito das atrocidades geradas pela ideologia nazista. Como acusar um filme assim de irresponsável?
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