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Críticas

O Orgulho

No limiar do politicamente incorreto, para um bem maior.

Por Luiz Joaquim | 21.07.2018 (sábado)

Sempre impressiona bem a capacidade que algumas produções francesas possuem em criar um produto absolutamente envolvente pela cartilha da linguagem cinematográfica, mas sem cair nas armadilhas dessas cartilhas. Em O orgulho (Le Brio, Fra./Bel., 2017), do israelense Yvan Attal  – em cartaz desde quinta-feira (19) no Cine São Luiz (Recife) -, esta constatação mostra-se a nós de maneira clara.

No elaborado roteiro desenvolvido por Attal com Victor Saint Macary, Yaël Langmann e Noé Debré, contanto ainda com uma colaboração de Bryan Marciano, O orgulho tem uma estrutura bastante apropriada pelo cinema romântico – gênero que, por definição, nos cativa pela empatia com seus personagens.

No caso, temos Mazzard (Daniel Auteuil, sempre confortável) como um professor de Direito na conceituada universidade Paris 2, e sua aluna francesa, descendente de árabes, Neila Salah (Camélia Jordana, ótima). Ele, tão competente nas aulas introdutórias do curso de Direito quanto bonachão, arrogante e também dando sinais de preconceito. Ela, tão batalhadora quanto cabeça-dura, orgulhosa e superestimada por si própria.

Há, enfim, um grau alto de vaidade nos dois personagens (cada um agarrando-se no que construiu na vida), e que se confronta já no primeiro encontro da primeira aula do primeiro dia de Neila na faculdade.

Attal, com Inteligência, abre seu filme mostrando o humilde trajeto de Neila, nesse primeiro dia, fazendo o percurso por coletivos do subúrbio onde mora até Paris 2. A câmera a segue por sua chegada na imponente universidade e também o seu acesso ao anfiteatro onde ocorre a aula inaugural com Mazzard.

A imagem é potente e precisa (como as palavras de Mazzard), com Neila subindo os degraus do auditório enquanto a câmera pára e vê a jovem afastando-se e se apequenando diante de uma plateia com, no mínimo, 500 alunos. Ao mesmo tempo, Mazzard lhe chama a atenção pelo microfone da palestra, por conta de seu atraso. Tal sequência, numa combinação feliz de imagem e diálogos, estabelece de imediato ao espectador o lugar de um e o do outro.

A ESTRUTURA – E é já nesse momento que fica definida a orientação do filme – que é igual a de infinitos romances bobos (principalmente os hollywoodianos): Mazzard e Neila se odeiam, mas precisam ficar juntos por um objetivo. Na trajetória, até atingir o alvo, percebem que se admiram, apesar das diferenças, com ambos apreendendo isso ao final, ainda que por meio de uma relação coercitiva cuja amizade é colocada em prova, ali no finalzinho, após uma revelação para a moça.

Auteuil e Jordana em cena de “O Orgulho”.

A diferença em O orgulho está no tipo do laço que irá amarrar os dois protagonistas. Há sim o surgimento da afeição, mas não é pelo amor romântico, e sim pela admiração diante das adversidades.

E, tal qual um romance bobo, o desfecho sofre aquele momento da decepção, mas apenas para atar ainda mais forte o laço que une os dois amigos.

Agora… esquecendo tal estrutura esquemática, temos em O orgulho algo diferente de qualquer romance bobo hollywoodiano. Essa diferença está no seu conteúdo intelectual, e como ele demonstra isto, incluindo boas aulas sobre retórica, banhadas a Schonpenhauer.

Attal e sua trupe de roteiristas capricharam aqui em provocações que beiram o limite do aceitável – talvez passe do aceitável para alguns espectadores – se considerarmos que estamos em 2018 e uma crise xenofóbica assola o mundo, com a França incluída.

Diante de um problema crítico, a diferença étnica e social (corporificada por Neila) que Mazzard insiste em dizer não fazer a menor diferença (e é mal interpretado) é o que há de audacioso e potente em O orgulho. O tal problema crítico seria a urgência em corrigir a atual ignorância juvenil para que a mocidade conheça e saiba usar as palavras, além de aprender a se comportar-se no mundo para vencê-lo. Detalhe: com tudo isso sendo ensinado por Mazzard sem os receios impostos pelo ‘politicamente correto’.

Incorporado a este conteúdo, Attal (também ator e casado com a atriz Charlotte Gainsbourg) não economiza nas afiadas ironias e sarcasmo do professor com sua aluna, que não tem nada de indefesa e contra quem o mestre não hesita em rebater alguns viciados argumentos, de uma geração cuja grande drama é “a temperatura baixa da sopa de 25 euros”, ou que apela para o “complexo de perseguição” quando é chamado à atenção por uma falta real.

O orgulho levou um milhão de espectadores aos cinemas na França. Para o leitor brasileiro entender esse sucesso, basta pensar que, proporcionalmente, é como se, no Brasil, seu público atingisse mais de três milhões de pagantes.

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