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Críticas

Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembrança

Um novo passo no habitual ambiente inóspito da condição humana criado por Charlie Kaufman

Por Luiz Joaquim | 27.08.2018 (segunda-feira)

– publicado em 23 de Julho de 2004 no jornal Folha de Pernambuco

Você pode estar pensando, “como é mesmo o nome daquele filme de título cumprido que estreou no Shopping Recife?”, e se o filme for Brilho eterno de uma mente sem lembrança (Eternal Sunshine of a Spotless Mind, EUA, 2004), saiba que esta obra toma a memória (ou a falta dela) como mote para tecer uma das mais bem trançadas teias de amor do cinema contemporâneo. Criada pela mente fértil do roteirista Charlie Kaufman (Quero ser John Malkovich, Adaptação, Confissões de uma mente perigosa), Brilho eterno… é dirigido pelo francês Michel Gondry – que fez Natureza quase humana, escrito também por Kaufman.

Como diz um amigo, Kaufman é assustador. Seus textos parecem extrair de lá, no mais profundo nível do poço psicológico humano, aquilo que norteia as sensações de amor, perda e esperança. Kaufman trás isso a superfície e, mesclando imagens com palavras, desestrutura emocionalmente seu espectador. Em comum entre seus personagens, uma solidão que adormece para o mundo e uma certeza que a própria existência não é tão interessante assim. É assim com John Cusack em Malkovick, é assim com Nicolas Cage em Adaptação.

Trazendo Jim Carry e Kate Winslet encabeçando o elenco, Brilo eterno… é um novo passo nesse ambiente inóspito da condição humana, tendo como campo de ação o metafísico, a memória, o impalpável que está escondido no cérebro do personagem de Carry (Joel). Mas há um diferencial no mote desta obra para as outras.  O que move o casal protagonista é o interesse mútuo de resolver o que não se resolve (o amor em conflito) pela ciência.

No enredo, a empresa médica chamada Lacuna oferece a possibilidade do seu paciente apagar da memória lembranças sobre seu ex-companheiro e começar uma nova vida amorosa sem nenhum indício da existência da pessoa com quem você, outrora, poderia ter morrido por ela. A perspectiva tão desumana desse serviço aterroriza Joel quando descobre que Clementina (Winslet) se submeteu ao processo e lhe apagou da cabeça.

Furioso, resolve fazer o mesmo mas, enquanto a operação está em curso, desiste da ideia de perder para sempre memórias que, talvez, sejam as melhores de sua solitária e estúpida vida. Enquanto o roteirista Kaufman vai montando/desmontando as memórias de Joel (seguindo uma ordem inversa a cronológica de uma relação amorosa, ou seja, do fim para o começo), vamos vendo Clementina, do seu pior (na relação) para o seu melhor.

Entre as várias situações revistas por Joel no processo, temos aquela na qual as palavras ditas por Clementina debaixo das cobertas aparecem com tanta honestidade (tanto pelo momento íntimo do casal, quanto pelo revelado no que se diz) e possuem tamanha carga poética, que são suficiente para verter lágrimas sinceras. Não é a toa que essa é uma das poucas memórias que Joel suplica para guardar para si.

Em termos cinematográficos, a luta de Joel para manter Constantine na cabeça é bem apresentada (tecnicamente) pelo diretor Gondry. Conhecido dos videoclipes que fez para Björk e Chemical Brother, o francês utiliza-se do foco / desfoco, da luz diferenciada e direcionada, e de alguns poucos efeitos digitais como imagem diferenciadora da realidade e do delírio visual que se passa na cabeça de Joel.

Como se não bastasse a combinação afinada do casal Carry/Winslet, Brilho eterno de uma mente sem lembrança tem um ótimo elenco de apoio: Tom Wilkinson (Entre quatro paredes), Kirsten Dunst (Homem aranha 2), Elijah Wood (O senhor dos anéis) e Mark Ruffalo (Minha vida sem mim). E antes que eu esqueça, o título do filme é extraído do poema Eloísa to Abelard, de Alexander Pope.

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