O Lenhador
Lobo mau com valores morais de um cordeirinho
Por Luiz Joaquim | 15.08.2018 (quarta-feira)
– publicado em 24 de março de 2005 no jornal Folha de Pernambuco
Tema delicado esse de pedofilia. O cinema tem feito pouco exemplares com dignidade a respeito do assunto. O mais recente veio pelas mãos de Clint Eastwood, há dois anos, com Sobre meninos e lobos (Mystic River) e, não por acaso, Tim Robins levou o Oscar pela sua performance. Chega hoje ao circuito O lenhador (The Woodsman, EUA, 2004), mais um interessante trabalho com Kevin Bacon produzindo e protagonizando a história de reabilitação de um ex-presidiário condenado por ter molestado garotinhas.
Adaptado da peça homônima de Steven Fechter (também roteirista), o filme acompanha Walter (Bacon) pelas ruas de Philadelphia quando tenta recomeçar uma vida civil honesta. Morando, ironicamente, de fronte a uma escola infantil, ele divide seus dias entre sessões de terapia e o trabalho numa serraria. É lá que a empregada Vickie (Kyra Sedgwick, de Vida de solteiro) começa a demonstrar e chamar o interesse de Walter.
No passado, pedófilos eram montados no cinema como o pior dos monstros, mas outros trabalhos corajosos como Felicidade (Hapiness, 1998) e Na captura dos Friedmans (Capturing The Friedmans, 2003) têm dado uma dimensão maior a esses personagens sem querer assim justificar seus crimes. Em O lenhador, a diretora Nicole Kassel assume um risco calculado quando observa pedofilia com um olhar de simpatia. Mas, ao mesmo tempo, seu risco é minimizado quando proporciona ao criminoso apenas poucas qualidades que lhe faça parecer são.
Para melhorar, a direção de Kassel, o roteiro de Fechter e a atuação de Bacon são espertas e afinadas o suficiente com a realidade de um condenado. Eles também sabem que criminosos sexuais (em particular os que envolve crianças) simplesmente não conseguem interromper seus impulsos de um momento para o outro. Duas sequências magnéticas em O lenhador devem sugar o espectador para dentro da tela. Num deles, Walter conversa com uma menininha no banco duma praça e aqui é quase palpável sentir o desejo do pedófilo brigando com a consciência do homem honesto. É o retrato perfeito de um lobo mau com valores morais de um cordeirinho.
Noutro instante, diante do terapeuta, Walter se vê obrigado a relembrar momentos traumáticos da infância e, aqui, nenhum jogo de cena ajuda Bacon. Ele conta apenas com seu talento diante de uma câmera congelada que parecer querer entrar dentro de sua cabeça através de seus olhos. Perturbador.
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