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Críticas

O Retorno do Talentoso Ripley

Mais velho e mais elegantemente arrogante

Por Luiz Joaquim | 14.08.2018 (terça-feira)

– publicado em 15 de abril de 2004 no jornal Folha de Pernambuco

Quando Patrícia Highsmith criou Ripley no romance O talentoso Ripley, em 1955, ela paria um dos mais perfeitos personagens desprovido de moral e escrúpulo da literatura moderna. A lasciva cria da escritora já apareceu nos cinemas pela face de três atores. Foi Alain Delon, em O sol por testemunha (1959), de René Clément; foi Dennis Hopper em O amigo americano (1977), de Win Wenders; e foi Matt Demon em O talentoso Ripley (1999), de Anthony Minghella. A partir de amanhã estréia no Brasil O retorno do talentoso Ripley (Ripley’s Game, Itália/Alem., 2003), de Liliana Cavani, protagonizado agora por John Malkovich.

Pelo sucesso de público e crítica que foi a produção de Minghella há cinco anos, torna-se quase inevitável a comparação de seu trabalho com o da diretora Cavani. Mas a relação deve ser evitada. Mesmo porque O retorno… (como sugere o título brasileiro) não se trata de uma continuação e sim de uma nova versão para o romance Ripley’s Game escrito em 1974 (e já levado às telas por Wenders três anos depois). No filme de Cavani, o cenário não é mais a Itália dos anos 1950 e sim a Berlim (e novamente, o interior da Itália) de hoje.

Aqui o célebre personagem de Highsmith está mais velho e mais elegantemente arrogante. Depois de uma tentativa de repassar obras falsas na Alemanha, Ripley encerra sua parceria com Reeves (Ray Winstone), seu companheiro de trapaças. Alguns anos depois, o encontramos vivendo com uma companheira musicista numa mansão italiana. É quando Reeves reaparece em sua vida solicitando ajuda para assassinar rivais em Berlim. Ripley nega o socorro, mas, por um misto de diversão e vingança, envolve o inocente vizinho Jonathan (Dougray Scott) para executar o serviço. Jonathan é um comum pai de família, com os dias contados pela leucemia.

Enquanto Minghella, em O talentoso Ripley, celebrava a beleza através das figuras de Damon, Jude Law, Gwyneth Paltrow e Cate Blanchett lindamente bronzeados sob o sol da riviera italiana e embalados pelo requinte sonoro de Chet Baker, Liliana Cavani optou por concentrar o refinamento de seu filme na figura de Malkovich (em excelente personificação do cinismo). Em O retorno… a trama ganha mais peso que o glamour plástico e o subtexto de perturbação sexo-psicológica que atormentava Ripley no filme de 1999. O resultado é uma produção mais seca, mais interessada em contar uma história do que dissecar personagens. E, amparada pelas palavras de Highsmith, Liliana Cavani foi competente em contar, com imagens, mais uma aventura do adorável Ripley.

Logo em seu primeiro romance, Pacto sinistro (1950) – levado às telas por Hitchcock no ano seguinte, Highsmith dava sinais de seu fascínio por personagens de princípios duvidosos. É nessa obra que dois estranhos se conhecem num trem e um deles sugere que: algumas pessoas estariam melhor se estivessem mortas, como sua esposa e meu pai”.

AS OUTRAS FACES DE TOM RIPLEY

Alain Delon em O Sol por Testemunha – (Plein Soleil, 1959), de René Clément. Embalado pela música de Nino Rota, Delon contracena com Romy Schneider, ambos no auge da beleza. Ele é primeiro rosto a dar vida ao jovem Ripley, que no filme assume a identidade de um boa-vida norte-americano na Itália.

– Dennis Hopper em O Amigo Americano – (The American Friend, 1977), de Wim Wenders. Aqui o cineasta alemão, ancorado pelas estratégias de Hitchcock passeia pelos vários tons do cinema, desde o expressionismo alemão até o filme noir dos anos 1940, para falar da proposta milionária que um cidadão comum, sofrendo de leucemia, recebe para matar mafiosos.

Matt Demon em O Talentoso Ripley – (The Talented Mr. Ripley, 1999) de Anthony Minghella. Minghella retoma a história filmada em O sol por testemunha, mas atribui ao protagonista uma ambigüidade e perturbação sexual que Delon não contemplou. Atrelado a isso, muita sensualidade e acuidade visual na direção de arte e fotografia, além do encantador arranjo musical na trilha sonora.

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