Ray
Muita música, pouco cinema
Por Luiz Joaquim | 22.08.2018 (quarta-feira)
-publicado originalmente em 4 de fevereiro de 2005 no jornal Folha de Pernambuco
Como representante de Ray Charles (1931-2004), o filme Ray (EUA, 2004) soa desafinado. Ou melhor, afinado
com o padrão hollywood de vender mensagens. Isso significa uma produção técnica impecável e milimetricamente calculado em conduzir emoções. Nesse plano, sai perdendo o espírito inovador e audacioso pelo qual o músico conduziu toda sua carreira artística. Ray, o músico, será sempre lembrado como aquele gênio que fundiu o jazz com o gospel, entre outras de suas invenções no R&B, Ray, o filme, será provavelmente lembrado como aquele em que o ator Jamie Foxx ficou igualzinho ao cinebiografado.
Concorrendo a seis oscars – melhor filme, direção (Taylor Hackford), ator (Foxx), montagem, figurino e som -, a produção abre dando detalhes do início sofrido pelo cantor, com racismo e discriminação por sua deficiência visual, desde o momento em que sai da Flórida, até o momento em que começa sua desintoxicação em heroína na década de 1960. Como artefato dramático para mostrar o princípio da cegueira no personagem, Hackford intercala um sem-fim
de desgastados flashbacks com imagens em tom sépia, pelas quais sabemos que o garoto Ray, ainda com cinco,
seis anos, viu o irmão mais novo morrer e, pelo filme, carregou esse trauma/culpa pelo resto da vida, assim como o desenvolvimento de seu glaucoma.
Não deixa de ser interessante assistir o esforço de caracterização de Foxx para se transformar em Ray, mas
essa metamorfose termina por causar uma impressão distorcida sobre o que um filme pode oferecer como emoção honesta. Foxx soa assim mais como uma aberração. Um camaleão humano. Fica seu talento isolado, ao lado de qualidades técnicas (som, fotografia) dentro de um filme engessado em fórmula de marketing com poucas sobras para convencer sentimentalmente. Junto do talento de Foxx, estão as músicas de Ray (“I Got a Woman”, “What I’d Say”, “Georgia On My Mind”, “Unchaim My Heart”, “Hit the Road Jack”) que fazem o espectador bater o pé sempre
que soa nas caixas de som. Mas aí o mérito é de Charles, não de Hackford.
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