Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida
Como uma deusa – um dos roteiros mais alucinados (no mau sentido) já escrito para o cinema brasileiro
Por Luiz Joaquim | 03.08.2018 (sexta-feira)
– publicado originalmente no Folha de Pernambuco 17 de dezembro de 2004
Entre os dez filmes brasileiros mais visto em todos os tempos no país, Xuxa Meneghel fez constar três de seus títulos nesta lista: Xuxa popstar, Xuxa e os duendes e a sequência Caminho das fadas. Juntos, somaram um público de 7,34 milhões de espectadores. O número merece respeito e já colocou os filmes da Xuxa Produções na história. Em parceria com a Globo Filmes, a Warner Bros e a Diler & Associados, chega hoje o novo produto das quatro empresas. O filme Xuxa e o tesouro da cidade perdida (2004) é dirigido por Moacyr Góes, o operário padrão da Diler e responsável por já ter também cometido Dom e Um show de verão, entre outros.
Neste novo produto, o público infantil será submetido por força, e não por sugestão dramática (como normalmente propõe o cinema), a acreditar que a apresentadora infantil é uma bióloga que fala com as aves. Ela vive isolada perto da floresta Amazônica e, a pedido de um radialista amigo, sai em busca dos pais do rapaz: um casal de arqueólogos vividos por Milton Gonçalves e Zezé Motta. A dupla desapareceu quando procurava vestígios de Igdrasil, uma cidade perdida na história.
Junto a estrelas-mirins da Rede Globo (Bruna Marquezine, a menina chorona da telenovela Mulheres apaixonadas), Xuxa, ou melhor, Bárbara, vai até a floresta onde esbarra com mais garotos (um deles, Sérgio Malheiros, o neto de Lima Duarte na televisiva Da cor do pecado). O personagem de Malheiros é revoltado com a postura do pais adotivos, dois hippies que adoram abraçar árvores.
Estão também na trama Juliana Knust, como a filha do prefeito que está “prometida” para casar com Sérgio Hondjakoff (o Cabeção da telesérie Malhação). Mas Juliana gosta de Paulo Vilhana (da novela Celebridade) e desdenha Hondjakoff. Este, por fim, tem a admiração de Natália Lage, que não é correspondida por ele. Fugidos do pai de Juliana, os quatro vão parar na floresta e são perseguidos (apenas inicialmente) pelo escatológico capanga do prefeito.
Dois estrangeiros, inicialmente dissimulando generosidade, entram a força no final da aventura como vilões que querem roubar o tesouro da tal cidade perdida. O baú é descoberto por acaso pelo capanga do prefeito que, por alguma motivo não revelado pelo filme, esquece de perseguir o quarteto de jovens apaixonados. No meio dessa superpopulação de personagens desarticulados e obtusos, eis que surge mais um na pele de Marcos Pasquim (o Esteban da novela Kubanacan) como ex-namorado da loira Bárbara. A essa altura, descobre-se que Xuxa, ou melhor, Bárbara é a reencarnação de uma deusa milenar a quem todos os habitantes de Igdrasil devotam reverência.
A surpresa no final nem é tanta para o espectador que observa Xuxa aqui com poucas e tímidas inserções na maior parte do filme. Sua discrição é apenas uma estratégia para, no final, todas a luzes brilharem em sua direção, já devidamente caracterizada como uma deusa loira.
Se você está achando a história muito confusa, não precisa se sentir culpado nem atribuir ao texto acima um problema de clareza comunicativa. É que o roteiro de Xuxa e o tesouro…, de autoria de Flávio de Souza, pode servir de exemplo como um dos mais desestruturados e alucinados já levado às telas pelo Brasil. Um exemplo prático é a participação de uma cadela na história, cuja função na trama (mesmo que cômica) é absolutamente inexistente. Talvez a cadela sirva como um charada, assim como a informação contida no material de divulgação da produção, que diz ser o filme “uma adaptação (bem) livre” de Sonhos de uma noite de verão, de ninguém menos que Shakespeare.
Há um único elemento gratificante em Xuxa e o tesouro…, e está na pele verde do ator Luiz Carlos Tourinho. Ele interpreta o Curupira. Ser da mitologia brasileira que é uma espécie de vigia da natureza. Vive pregando peças em quem maltrata a floresta e tem a assustadora peculiaridade de ter os pés voltados para trás. Tourinho está bem caracterizado e é dono de uma naturalidade na arte de fazer graça, que torna cada uma de suas aparições num sopro de dignidade contra as patetices praticadas pelo do resto do elenco de humanos e “divinos” que compõem a produção.
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