51. Brasília (2018) – noite 3
Equilíbrio e desequilíbrios estéticos no discurso político na segunda noite competitiva.
Por Luiz Joaquim | 17.09.2018 (segunda-feira)
BRASILIA (DF) – O 51o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro seguiu em seu segundo dia de competição (ontem, 16) oferecendo um discurso político ora mais fortemente pela proposição estética dos filmes, ora mais forte pelo discurso explícito nas falas de seu protagonista.
De longe, a obra que marcou a noite foi o primeiro curta-metragem da sessão – Liberdade (foto acima), de Pedro Nichi e Vinícius Silva -, pelo qual acompanhamos o africano Abou, no bairro da Liberdade (SP), mais conhecida como uma região marcada pela cultura e pelos descendentes de japoneses.
Abou é da Guiné (noroeste da África) e mora há algum tempo no “bairro japonês”, e Liberdade (o filme) fala daquela região não mais apenas como um território específico dos nipônicos, mas também de outras nacionalidades, incluindo aí as de países africanos. O que permanece ali é a situação de vida dos residentes, que sobrevivem com sacrifício e sofrem preconceitos de toda ordem.
Atravessado por quatro idiomas (português, francês, japonês e o idioma não oficial da Guiné), Liberdade resgata o histórico que levou o bairro a transformar-se no que se transformou, revelando (para alguns) o passado vergonhoso envolvendo o assassinato de escravos africanos.
O discurso, duro e necessário, diga-se, feito por Nichi e Silva, é cinematograficamente refinado e por isso mesmo mais potente e permanente na cabeça do espectador. Ainda no enredo, a figura do primo de Abou, vindo da África, e que fica preso na imigração por dois dias, é um outro ponto de indicação de (e indignação pela) injustiça.
Contra isso, Liberdade agrega insertes – como uma performance musico-coreográfica de seus personagens e retratos de negros, num primeiro momento, sob sombras e depois sob a luz incidindo sobre rostos anônimos, dando identidade e dignidade àqueles. O resultado é lindo. Simples assim.
Já o carioca Sempre verei cores no seu cinza, de Anabela Roque, de maneira oposta a Liberdade, literalmente grita sua indignação contra o sucateamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ). O filme é composto por um agregado de imagens sequenciadas reunindo algumas performances capitaneada por uma professora do Departamento de Artes da Universidade. As performances chamam a atenção só por existirem (o que por si só já basta), mas o que resulta do filme não vai além do registro formal.
O longa-metragem da noite, o brasiliense New life S.A., de André Carvalheira, provocou questões durante o debate na minha de hoje (17) uma vez que sua proposta se constrói dentro de um teatro de farsa e do ridículo a partir de um empreendimento imobiliário chamado “New Life S. A.”.
Nele, uma das estratégias marqueteiras para a venda de unidades do imóvel é colocar atores por 24h dentro de um apartamento mobiliado, e nessa brincadeira os papeis entre os personagens da família falsa e os personagens que interpretam a família falsa se confundem, propositadamente, diante do espectador.
A estratégia é boa mas soa incompleta em seu discurso dentro do todo do filme. De toda forma, há outros núcleos em New life S.A. e, um dos principais, se corporifica na figura do arquiteto da obra, Augusto (ator Renan Rovida, sempre imprimindo bem na tela), oprimido pelo sistema encarnado aqui na figura de seu sogro (Murilo Grossi), o empresário da construção civil, sempre em conluio com o poder legislativo e judiciário.
O que poderia ser um tema e filme potentes nos tempos de hoje – em que a realidade já dá conta de absurdos como este – termina por ficar apenas como uma alegoria que peca pelo exagero e não impacta mais na cabeça de um público em 2018, que assiste absurdos maiores diariamente pelos telejornais.
* Viagem a convite de festival
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