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Festivais

51. Brasília (2018) – noite 6 – “Ilha”

Subjetividade política em proposição, sob erros e acertos, em filme feito na Bahia

Por Luiz Joaquim | 20.09.2018 (quinta-feira)

BRASILIA (DF) – Ano passado, os baianos Ary Rosa e Glenda Nicácio nos deram em Brasília um belo sopro de renovação, considerando uma tradicional perspectiva de se fazer cinema no Brasil, ao apresentar Café com canela longa-metragem de estreia da dupla, premiado ali pelo júri popular. Hoje, um ano depois, eles reaparecem em competição no 51o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com um segundo trabalho – Ilha – projetado ontem (19) em meio a uma plateia dividida ao final da sessão.

Ao contrário de Café com canela – que oferece uma organicidade e fluidez própria de uma obra apta a funcionar bem em qualquer ambiente –, Ilha parece não poder prescindir de um espaço que o proteja pela sua proposição temática (proposição, vale ressaltar, valiosa, necessária).

O que isso significa? Que, ainda que reunindo boa comunicabilidade e divertimento a partir de assuntos caros à cultura e à sociedade (“a legitimidade ao se fazer cinema” e “a trajetória de um jovem negro numa periferia pobre e sem possibilidade de ascensão social”), Ilha se atrapalha na forma como resolve o que tem a dizer.

Há ainda aqui a inventividade que se viu em Café com canela, principalmente com a câmera subjetiva em maior volume e uma nova funcionalidade para ela, mas Nicácio e Rosa parecem ter perdido o controle em pequenas ilhas (perdoem o trocadilho) dramáticas no filme mais recente.

Antes, um pouco do enredo: numa ilha não identificada no litoral baiano, vemos, na primeira imagem, um barco lá aportando para depois entendermos que o famoso cineasta Henrique (Aldri Anunciação, que está no elenco da telenovela Segundo sol) foi sequestrado por Emerson (Renan Motta, também no elenco da mesma telenovela), jovem nativo que vive do tráfico. Emerson quer forçar Henrique a dirigir um filme sobre sua história de vida ali na Ilha. No decorrer do processo, iniciado com a repulsa do cineasta, surge uma simpatia e posterior desejo sexual entre os dois.

A estratégia para contar essa história é a subjetividade da câmera operada por Thacle. Thacle é o amigo de Emerson que grava, com pretensão cinematográfica, quase todo os passos do traficante ao lado do cineasta. Os olhos de Thacle são os olhos do espectador. E depois, com o cineasta Henrique já dirigindo a autobiografia de Emerson, teremos uma segunda perspectiva, alternando-se com a de Thacle (atuando mais como um registro de bastidores) para Ilha.

Cena de “Ilha”, com os atores Aldri Anunciação e Renan Motta

É um conceito atraente, este por trás do projeto, e com situações de genuína criatividade, como o plano da troca de filtro na câmera aliada à fuga do cineasta sequestrado; mas é também falha em mais de uma situação neste jogo da troca de perspectivas – vide a morte do cão.

O maior problema, entretanto, a ponto de distrair fortemente o foco proposto pelo filme são dois, e entrecruzados entre si: muitos diálogos impostos pelo roteiro nas conversas sobre cinema entre o cineasta Henrique e o traficante Emerson, e a performance limitada de Renan Motta.

Enquanto Aldri coloca-se com mais conforto nas falas, Motta parece recitar o texto, que também não ajuda, soando como falas duras, como se saíssem da boca de um crítico de cinema ruim. Carregadas de expressões prontas, particularmente nos diálogos do primeiro encontro entre os dois na tela – ou como palavras de ordem mais a frente: “vocês vão ter de engolir minha subjetividade a seco!” -; tais situação criam um contraste e conflito muito particulares aqui.

Eles se dão, a título de exemplo, da seguinte forma: Nos ensaios e encenações com “nativos” da ilha para gravar as cenas dramáticas do filme dentro do filme, tudo é descaradamente tosco, com objetivo claro de ressaltar o humor desse despojamento do filme fetiche do bandido. E dá certo. A plateia no Cine Brasília embarcou nas piadas e ria bastante das limitações construídas para os “não-atores” no meta-filme.

O irônico é que, no filme sobreposto ao meta-filme, ou seja o que é para ser considerado sério, assinado por Nicácio e Rosa, oferece algumas circunstância que distraem pelo exagero, com situações podendo até ser lidas como dramaturgicamente redundantes ou mesmo constrangedora. Para estas situações, o público não ri, apenas pode lamentar consigo mesmo.

Para encerrar, segue uma observação baseada num raciocínio incompleto, e por isso mesmo sujeito ao equívoco. O espaço onde Ilha nasce para o mundo – ou seja, o politizado Festival de Brasília – talvez o proteja de uma leitura mais dura do ponto de vista de suas soluções cinematográficas, uma vez que, repito, o filme estimula discursos socialmente combatentes e necessários, causa que o festival – corretamente – abarca e promove. Dessa forma, pergunto-me para que inclinação penderia como uma primeira leitura de um filme como Ilha caso lançado num festival como o Cine-PE.

A refletir.

* Viagem a convite do Festival

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