Cabra Cega
Uma revolução particular
Por Luiz Joaquim | 07.09.2018 (sexta-feira)
– publicado originalmente em 08 de abril de 2005 no jornal Folha de Pernambuco
Uma geração de brasileiros deverá engasgar de emoção quando ouvirem “Eu quero é botar meu bloco na rua” (música de Sérgio Sampaio), que se escuta no filme Cabra cega, quando o ator Leonardo Medeiros caminha pelo terraço de um prédio com a imagem de São Paulo ao fundo. Ele interpreta Thiago, um militante nos anos 1970 contra a ditadura. Ferido, ele é obrigado a ficar recolhido no apartamento (ou aparelho) do arquiteto Pedro (Michel Bercovitch).
Nesse cenário, enquanto o diretor Toni Venturi mostra a causa revolucionário morrendo aos poucos nas ruas, também apresenta seu protagonista em processo de reconstrução como um indivíduo que se apaixona por uma mulher, e que recupera a ternura perdida para a ditadura. A citada cena do terraço é simbólica. Segundo o próprio diretor, é “o momento em que o personagem entra em contato com a ar, com a vida, com o mundo”, revelou na 37° edição do Festival de Brasília quando levou os Candangos de direção, de melhor ator (Medeiros), roteiro e direção de arte.
Política é um tema recorrente na carreira de Toni Venturi. Diretor do documentário O velho, sobre Luís Carlos Prestes, e a ficção Latitude zero (2001), sobre dois excluídos num deserto em algum ponto da fronteira brasileira. Se em Latitude, Venturi seguia um ritmo de narrativa quase experimental, em Cabra cega ele deixa a história correr solta, envolvendo o público com o cotidiano claustrofóbico de Thiago.
Para chegar nesse tom, Venturi contou com um time de craques com quem já costuma trabalhar há anos. O argumento, fez a quatro mãos com Roberto Moreira, Fernando Bonassi e Victor Navas. O desenvolvimento para o roteiro ficou com Di Moretti, seu amigo há 16
anos. Na tela, vemos a esposa e sócia do diretor, a competente atriz Débora Duboc. Ela interpreta a enfermeira Rosa, objeto de desejo de Thiago e filha de um operário comunista. A perspectiva e a opinião sobre a revolução que Moretti coloca na boca de Rosa são sopros refrescantes para o assunto.
O cuidado no que se diz no filme é resultado de uma grande pesquisa que o cineasta levantou para No olho do furacão, documentário que realizou em 2002 entrevistando dezenas de ex-guerrilheiros e como eles reiniciaram a vida. Um deles, Alípio Freire, da Ala Vermelha, trabalhou com consultor dos diálogos escritos por Moretti para o filme.
Com orçamento de R$ 1, 2 milhões, Venturi fez um longa-metragem da guerrilha urbana brasileira do ponto de vista pessoal de um homem, Thiago, que via a utopia socialista como uma possibilidade real para o Brasil. Cabra cega é sobre essa paixão, a desilusão dessa paixão e o renascimento desse homem para si mesmo como um indivíduo. Ainda no elenco estão, Jonas Bloch, Renato Bogheti e Milhem Cortaz.
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