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Críticas

Café da Manhã em Plutão

Com glamour e tristeza

Por Luiz Joaquim | 14.09.2018 (sexta-feira)

– publicado originalmente em 11 Agosto de 2006 de  no jornal Folha de Pernambuco

Café da manhã em Plutão (Breakfast on Pluto, Grã-Bretanha, 2005) filme do engajado irlandês Neil Jordan – lembrado pelo Oscar de roteiro original em The crying game (1992), mas autor de outras obras fortes como Fim de caso e Nó na garganta. Em Plutão, Jordan mergulha com vontade num mundo pop para emoldurar a história do travesti Patrick Gata Braden (Cillian Murphy, de Olhos vermelhos) que tem como objetivo de vida encontrar a mãe que, ao partir para Londres, o abandou recém-nascido na porta do pai, o padre (Liam Neeson) de uma vila irlandesa.

Três pontos saltam aos olhos em Plutão. A interpretação de Murphy, o desprendimento narrativo de Jordan junto ao seu passeio pelo universo homossexual (regado a uma penca de canções pop que fazem lá,lá,lá), e sua indissociável capacidade de agregar a história política de seu país mesmo numa ‘falsa biografia’ como a da ‘Gata’, criado a partir do romance de Patrick McCabe (mesmo autor de Nó na garganta).

Sobre a Gata Murphy, pode-se dizer que ele fica impedido de passar despercebido em qualquer momento que apareça exatamente pelo seu biótipo masculino, mas principalmente, pela sua performance ornamentada e histriônica, com um figurino especial que passeia entre os anos 1970 e 1980. Seus trejeitos são construídos a partir dos movimentos de glamour e emoções exacerbadas ou frívolas como só a mais profunda cultura pop poderia gerar. Ao contrário do discreto travesti Dil (Jaye Davidson), de The crying game, a ‘Gata’ é espaçosa e toma toda a tela.

Mesmo assim, Jordan vai respingando, ao longo da história de vida da ‘Gata’, gotas da efervescência política e tensão contra a Inglaterra mantida pela Irlanda, e vice-versa. A ‘Gata’, como figura apartidária de tudo que não diga respeito aos seus amores masculinos e à busca pela mãe, acaba sempre patética e involuntariamente envolvido com tudo isso que ela chama de muito sério. “Por que todos insistem tanto nessa palavra? Sério”, lamenta ele.

É como se Jordan quisesse dizer que não se pode escapar da realidade, mesmo que se faça muita força para isso. No mais, é bom ver a habilidade do cineasta em conduzir uma narrativa incomum para uma história incomum (poderia ter virado uma caricatura grosseira na mão de um despreparado), e desfrutar da competência de Murphy em construir a ‘Gata’, um personagem meio-amaldiçoado mas que só parece produzir bons efeitos naqueles que dele se aproximam.

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