A vitória da persistência
Videolocadoras resistem à sedução da TV por assinatura e à chegada do DVD (reportagem de 2001)
Por Luiz Joaquim | 27.11.2018 (terça-feira)
– texto originalmente publicado no Jornal do Commercio (Recife), no ‘Caderno C’, em 3 de fevereiro de 2001, sábado. (Na foto acima, de Beto Figueirôa, a Raio Vídeo, onde os clientes voltaram a frequentar porque consideram os filmes da TV paga repetitivos).
Houve uma época no Grande Recife que, por onde quer que se passasse, avistava-se uma videolocadora a cada quilômetro percorrido. As lojinhas que alugam filme pipocavam por todos os quarteirões e faziam do negócio o mais cobiçado por propensos microempresários. Passada a febre, alguns corajosos persistem nesse comércio, nem sempre tão rentável quanto se imaginava no delírio da estabilidade monetária que veio com o par de anos seguintes à instituição do Plano Real, em 1994.
Não demorou muito para o surgimento desorganizado de muitas videolocadoras, concentradas em pequenas áreas, esbarrar na realidade da demanda limitada do mercado e levar os inexperientes administradores ao desespero. “Para se ter uma ideia, num raio de 20 quilômetros, havia duas dezenas de locadoras. Hoje a mesma área abriga três estabelecimentos”, contabiliza o proprietário da SMS, Sérgio Silveira, fazendo referência à Madalena, bairro [do Recife] onde funciona seu empreendimento.
Na opinião de Ricardo Lins, são essas mesmas novidades, ou melhor, a ausência delas nas prateleiras das lojas, que provocou a quebra de um sem-número de estabelecimentos do gênero. Ele testemunha que, há cinco anos, houve uma onda de pessoas que recebiam indenizações beirando os R$ 30 mil e resolviam abrir uma videolocadora. “Essa quantia equivale a nada, nesse negócio”, complementa Sérgio Silveira.
Apesar de o ex-bancário Edson Soares fazer parte do grupo acima mencionado, ele conseguiu manter a loja, a Imagem Vídeo, funcionando até hoje; mas não antes de trocar de ponto por três vezes até chegar ao atual endereço, no Bongi. “Comecei o negócio porque não tinha tanta alternativa de emprego. Montei a videolocadora porque era o que eu estava mais próximo da minha possibilidade financeiro”, recorda Edson.
A estratégia dos que entravam no ramo sem experiência consistia em comprar um acervo de títulos antigos, os chamados ‘de catálogo’, cujo preço é mais barato nas revendedoras e distribuidoras. “O detalhe é que nenhuma locadora sobrevive sem bons lançamentos, e esses títulos custam, em média, R$ 90”, diz Ricardo Lins. E continua: “Se o aluguel custa R$ 3, a peça só se paga depois de 30 locações, isso se o produto não for danificado pelo locatário”.
Para sanar a ânsia dos associados por novidades, sem precisar gastar tanto, a proprietária da Veja Vídeo (na Várzea), Edna Zimmerle, criou uma espécie de permuta de fitas com a Radux Vídeo – videolocadora de um amigo, em Afogados. “Dessa forma, eu e ele sempre temos filmes novos na loja”. No mercado desde 1997, Edna aplica como diferencial na Veja Vídeo um aluguel barato de suas fitas. “Cobramos R$ 1 pelos títulos do catálogo, e R$ 2,50 para lançamento”, diz. Para Ricardo Lins, manter-se vivo no mercado significa oferecer um atendimento personalizado. “Não fazemos distinção no tratamento dos associados. Entre outras gentilezas, nós podemos até fazer entrega a domicílio, sem cobrar taxa extra na locação”, conclui.
Maiores redes sofreram com a TV paga e o DVD – Mesmo quem já tinha know-how na área de videolocação teve que sair de cena. Antes da conturbada proliferação de casas de vídeo nas periferias, a Videosom já praticava, desde o longínquo ano de 1982, o aluguel de filmes na sua sede, em Boa Viagem. A primeira videolocadora recifense virou referência nacional obtendo, entre 1984 e 1989, o título de maior rede do ramo no Brasil. “Chegamos a ter 12 lojas. Depois, a Rob Vídeo em São Paulo, ultrapassou esse número”, recorda o ex-proprietário da Videosom, Paulo Menelau, que administra a Futura, revendedora recifense de automóveis Suzuki. Ele diz que, há dez anos, já sabia que a TV paga viria fazer uma revolução no Brasil, e que o DVD poderia arrasar as locadoras de fitas VHS, Menelau lembra que começou a repassar as videolocadoras em 1994, e fechou a última loja (a de Boa Viagem) quatro anos depois. “As próprias distribuidoras concorreram para o fim de muitas dessas microempresas, quando começaram a cobrar US$ 40 pela venda de uma nova fita, enquanto nós cobrávamos R$ 1 de aluguel”, conta.
Outra rede de referência nacional foi a Lok Vídeo. Os números, hoje, de nove casas operando na região na Região Metropolitana do Recife e três no Rio de Janeiro não impressionam se comparados com as 30 lojas que dominavam o mercado do local em 1996. O primeiro fruto da sociedade filmada firmada entre Sílvio Luigi e Caetano Pontes nasceu em 1984, no Pina. O mais recente rebento da rede nasceu em dezembro do ano passado, em Boa Viagem. De olho na massificação do DVD, os sócios inauguram a primeira locadora exclusiva no Recife (com mil títulos) para o aluguel dos disquinhos digitais de filme. Antes disso, a empresa já havia lançado uma Lok DVD no bairro carioca da Tijuca.
SMS e Classic investem em acervo e fidelidade – Não há tempo ruim para as duas locadoras, que fazem de tudo para oferecer os melhores filmes aos clientes exigentes. Muitos vêm de longe para locar fitas.
Enquanto centenas de videolocadoras viraram cinzas pelo fogo da má administração e recente popularização da TV paga, duas lojas mantêm-se ativas, ocupando um lugar de referência no comércio de aluguel de filmes no Recife. Ambas inauguradas em 1987, a SMS e a Classic são quase vizinhas. A primeira, ganhou o atual endereço, na rua José Osório, em 1990. Antes disso, funcionava na Rua Real da Torre, num espaço que não ultrapassava os 20 metros quadrados. O proprietário da SMS, Sérgio Silveira, lembra que trabalhava sozinho no estabelecimento. “Eu abria e fechava a loja, atendia o público, limpava e decorava a casa, comprava as fitas e fazia tudo que fosse necessário para dar certo”, diz.
Foi numa Sexta-feira Santa que Silveira descobriu como podia fazer diferente. Enquanto aproveitava o feriado para lavar a loja, uma mulher na rua lhe perguntou se a casa estava aberta. Ele não hesitou em atendê-la e, antes de despachá-la, já havia outros clientes dentro do estabelecimento. “A certa altura, entrou uma senhora e me perguntou indignada: Você é ateu, para trabalhar num dia santo?”. Depois disso, o empresário percebeu que os melhores dias de faturamento são os feriados. Hoje, com mais de 20 mil fitas em VHS e 1,1 mil discos de DVD no acervo, a loja da Madalena abre em todos os 365 dias do ano, em horário gigante: das 6h à 1h da madrugada. O empresário se orgulha de sua casa ter sido a primeira do ramo, no País, a funcionar 24h por dia. “Operamos assim entre 1990 a 1998. No início, a loja era lotada na madrugada dos fins de semana. Depois, não vinham mais que dez locatários e ficou difícil manter 23 funcionários comigo”.
Sérgio sabe que sua longevidade no mercado está atrelada à competência administrativa, mas ele não descarta o fator ‘sorte’. Sua única queixa atualmente está na tributação do ISS (em sua opinião, abusiva). “Quero inclusive, organizar uma comissão para procurar o prefeito e solicitar o redimensionamento desse imposto”.
O COLECIONADOR – Para o dono da Classic, Cláudio Brayner, o sucesso é originário de um princípio imprescindível: gostar do que faz. Quando o ex-gerente regional de uma empresa paulista abriu sua videolocadora no bairro da Torre, a loja ocupava apenas 18 metros quadrados, por onde se espalhavam 200 fitas de seu acervo particular. “Naquela época, não existia a obrigatoriedade de trabalhar com fitas seladas”, conta. Depois de sofrer cinco ampliações (hoje a loja tem 180 metros quadrados); ter reunido 13 mil fitas de VHS, 200 DVDs e agregar 15 mil associados (10 mil ativos), a Classic ainda mantém o status de ser a única locadora onde se pode encontrar qualquer título raro. E Brayner ainda desafia: “Se a fita foi lançada em vídeo, nós temos aqui. Se não tivermos mando buscar em qualquer parte do mundo”.
A fidelidade de seus locatários é tanta que pessoas de outros municípios vêm ao Recife só para alugar títulos na Classic. “Tenho um associado que manda seu motorista vir de Petrolina até aqui toda semana. Ele vem na segunda-feira, leva várias fitas, e só retorna uma semana depois. Quando não pode viajar, devolve os filmes pelo Sedex.”
Se isso não for lealdade…
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