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Críticas

Nenhum a Menos

A beleza singular do cinema oriental.

Por Luiz Joaquim | 15.11.2018 (quinta-feira)

– Publicado originalmente no Jornal do Commercio em 30 de Outubro de 1999.

O cinema chinês contemporâneo começou a chamar a atenção do público recifense quando em 93, em pleno carnaval, o extinto Cine Recife 2 exibia Lanternas vermelhas. O filme, dirigido por Zhang Yimou e estrelado por Gong Li (na época, esposa do cineasta) revelava um universo de valores éticos e morais bem longe da perspectiva norte-americana que era despejadas nas salas locais. Naquele ano, Lanternas… abria, literalmente, uma janela de luz para obras produzidas off-hollywood e mostrava o quão agradáveis elas podem ser. Anos depois o Cineteatro Apolo trazia Nenhum a Menos (Yi ge dou bu neng shao, China, 1999), penúltima produção de Yimou, que levou o Leão de Ouro de melhor filme em Veneza em 1999.

Mantendo a peculiar narrativa despretensiosa, o diretor chinês convida agora o público para conhecer uma fábula sobre perseverança através da menina Wei Minzhi (a ótima atriz Minzhi Wei). Ela é a professora interina de uma vila miserável no interior da China. Com apenas 13 anos, Wei tem a missão de dar aulas a crianças um pouco mais novas que ela própria, e impedir que nenhum dos alunos deixam de frequentar a paupérrima escola. Se conseguir a façanha, Wei ganha 10 yuans a mais do que o prometido.

Os problemas começam na própria estrutura do colégio – onde todo o giz é milimétricamente aproveitado –, passa pelo despreparo da própria professora (que só sabe ensinar uma velha canção sobre Mao Tsé-tung), e extendem-se na natural rebeldia dos estudantes. Wei não consegue (e nem pretende) controlar a molecada. Seu interesse está mesmo em cumprir o serviço da melhor forma possível para garantir o pagamento.

Nenhum a Menos começa a crescer quando o garoto Huike (Zhang Huike) foge para uma cidade mais evoluída, em busca de trabalho. A partir daí, nasce uma honesta amizade entre a professora e seus alunos por função de um objetivo específico: trazer Huike de volta. O diretor Yimou aproveita o mote para criar ótimas situações em que a menina Wei põe em prática uma didática de ensino ala Paulo Freire, convocando a garotada para resolver aquele problema real.

O entusiasmo dos alunos calculando o quanto precisam trabalhar para fazer dinheiro só não é mais comovente do que a peregrinação da professora Wei em busca de Huike no meio de uma cidade selvagem. Depois de enfrentar uma série de dificuldades impostas por típicos personagens urbanos (indiferença, desconfiança, impaciência), Wei começa a fraquejar, mas nunca desistir. Nesse momento somos lembrados de que ela é apenas uma criança sozinha e obstinada em seu desespero.

Yimou faz de seu filme um excelente libelo contra a fraqueza de espírito e a desesperança no que se pode conseguir a partir da fé (seja lá em que for). O diretor consegue denotar valores nobres (sem o ranço de uma aula acadêmica), mas começa a dar sinais de influência ocidental nos seus trabalhos. Por muito pouco, Yimou não derrepa na pieguice quando coloca Wei numa emissora de TV pedindo ajuda para encontrar o fugitivo. Percebam que essa é o única cena com fundo musical ‘comovente’. No final das contas, fica a sensação de fomos para um lugar que nunca imaginamos existir, fizemos novos amigos e relembramos qualidades humanas esquecidas. É a singular força do cinema, transportando o espectador e injetando emoção na cabeça (ou coração).

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