A vingança dos filmes de arte
O CinemaEscrito resgata a história do nascimento de um marco pernambucano: O Cineclube Jurando VIngar.
Por Delles Sassi | 10.12.2018 (segunda-feira)
Quem procura conhecer a recente história do cinema que é feito em Pernambuco passará, invariavelmente, pela criação de um então jovem grupo de cinéfilos que ali, saindo dos 1980 e prestes a entrar nos 1990, criou um cineclube. A aventura abriria um fundamental espaço de diálogo para que a nova geração de realizadores da região florescesse.
Este Cineclube atendia pelo nome de Jurando Vingar, numa homenagem explícita ao silencioso filme homônimo feito por Ari Severo, em 1925.
Para lembrar do começo de tudo, o CinemaEscrito resgatou uma reportagem de apresentação do Jurando Vingar, o Cineclube. A matéria foi feita pela repórter Danielle Romani para o Jornal do Commercio (Recife), quando foi publicada num domingo, em 19 de fevereiro de 1989, na capa do então ‘Caderno C’.
Na foto acima (sem crédito), a legenda dizia “depois de meses de trabalho, Katiane, Marcelo, Ivana, Daniel, Rosinha, Roberto, Clara e Márcia viram seu projeto vingar”.
Abaixo, texto original de Danielle Romani
Ninguém duvide: eles juram que vieram para vingar e prometem colocar no mercado apenas filmes de primeira. Durante seis meses mergulharam de cabeça num trabalho que fatalmente agradará aos cinéfilos da cidade, Marcelo, Katiane, Roberto, Rosa, Márcia, Clara, Daniel e Ivana anunciaram que começou a contagem regressiva: faltam poucos dias para que o Cineclube Jurando Vingar, comece a funcionar.
A estreia, na verdade, já está marcada. A partir do dia 23 o cineteatro José Carlos Cavalcanti Borges estará sintonizado durante quatro dias com algumas das melhores produções do novo cinema inglês.
Na programação para vídeo – que será mantida paralelamente a de cinema – estão confirmados: Dançando com um estranho (Mike Newell), O amor não tem sexo (Stephen Frears), Gostaria que você estivesse aqui (David Leland) e Minha adorável lavanderia, o badaladíssimo filme que ganhou o FestRio em 1986, também de Frears.
O que não é tudo. Dando uma cancha para quem deseja conhecer melhor está nova tendência cinematográfica, o cineclube promoverá uma palestra, antes da exibição de Minha adorável lavanderia, com uma expert no gênero: Ana Catarina Galvão, que estudou cinema em Londres.
A programação de filmes, que terá início em março, também trará títulos de peso: Por volta da meia-noite, de Bertrand Tavernier, Nunca fomos tão felizes, de Murilo Salles, Solaris, de Andrei Tarkovski e Matou a família e foi ao cinema, de Júlio Bressane, serão apresentados.
O começo – Marcelo Gomes arrumou as malas e foi para Minas, fazer um curso de cinema. Conversando com pessoas de todo país, percebeu que Recife era uma das poucas cidades a não ter um cineclube. Foi a gota d’água.
Na volta a vontade de fundar um cineclube começou a virar ideia fixa. Achou quem topasse. Há seis meses, esses oito profissionais liberais (jornalistas, sociólogos, etc) vêm juntando as pecinhas para que o projeto saísse e não ‘gorasse’. “Antes, já havia tido outras experiências na cidade. Não deram certo. Começamos então a legalizar toda a papelada, armar um esquema para que o cineclube fosse uma entidade”, diz Marcelo.
A burocracia para que o projeto saísse de elocubrações e virasse realidade, não foi fácil. “Meses para se registrar, fazer estatuto, dar entrada em cartório, aguardar publicação no Diário Oficial. Batalha acirrada, também, para arranjar um local. Um convênio com a Fundação Joaquim Nabuco foi a solução. Todas as segundas-feiras à noite, o espaço do cineteatro José Carlos Cavalcanti, com 322 lugares será dedicado exclusivamente às atividades do cineclube. “Metade da bilheteria será nossa. A outra parte, da Fundaj”, diz Ivana.
Não existe finalidades de lucro. Se eles pensam em começar a filiar sócios, que pagarão uma taxa de dois cruzados mensais e terão desconto de 50% na bilheteria, é só para manter o projeto. Tudo que foi feito saiu do próprio bolso da equipe. “Nossa proposta é trazer para a cidade filmes de arte que nunca entram no circuito comercial do Recife”, comenta Rosa.
E mais: os filmes e vídeos (que serão apresentados nos sábados à tarde) nunca serão exibidos sem palestras e distribuição do material. “Estamos comprando revistas especializadas, jornais, recortando críticas sobre todo filme interessante que apareça para passar maiores informações. Um filme exibido pelo Jurando Vingar nunca vai passar em branco, sem discussão”, garante Ivana.
Se depender deles, as atividades irão além disso. Depois da batalha de legalizar e arranjar um local, as ‘peças’ começaram a ser mexidas em outras direções. Se possível arranjar mais espaços para que as exibições de filmes não se resumam às segundas-feiras. Um aproveitamento do cine AIP, com um dia fixado, está sendo cogitado. Também está sendo pensado uma campanha para recuperação do antigo Cinema Politeama – “assim seria mais um espaço”. Fora isso, o cineclube vai tentar organizar uma sede, onde os seus sócios, ou interessados por cinema, possam ter acesso às bibliografia, revisitas, arquivos de jornais sobre o tema”. Muitos planos também estão sendo feitos sobre o que será exibido.
A ordem será única: procurar trazer, sempre, o que está sendo mostrado de mais criativo no País. Por isso a opção, de cara, pelo novo cinema inglês, que só tinha chegado ao Recife através de dois filmes: Mona Lisa e Rita Sue e Bob Nú. Tratava-se quase de uma ‘obrigação’, mostrar “trabalhos que vinham sendo super comentados pela crítica”.
Um convênio com o Consulado Britânico fará a delícia dos cinéfilos. No final de maio, já está confirmado: quem viver, verá, uma overdose do há de melhor de Charles Chaplin, por ocasião dos 100 anos de seu nascimento.
Quem for ver, também se deliciará com a exibição de vídeos sobre musicais, que estarão sendo apresentados todos os sábados. Louis Armstrong, Laurie Anderson, David Bowie, Fred Astaire, entre outros, estão sendo negociados e cogitados para os próximos meses, para os que lêem os jornais de São Paulo e ficam só no ‘ora, veja’, boas novidades: se tudo der certo, é possível que o Jurando Vingar traga para o Recife a mostra de Filmes B, que agitou a paulicéia há algumas semanas. “A gente vai tentar falar com empresários, porque é uma mostra muito cara e não se tem grana”, diz Ivana.
Os contatos para obtenção de filmes, igualmente não são simples. “Basicamente, a gente lida com distribuidoras que atendem apenas cineclubes, além da Fundação do Cinema Brasileiro e da Embrafilme. Os contatos são muito complicados. Temos que ligar ‘n’ vezes, reservar um filme com dois meses de antecedência e ainda assim, corre-se o risco de dar tudo errado”, diz Marcelo.
A barra de fato, não é fácil. Mas não vai faltar garra. Afinal, a escolha do nome Jurando Vingar (homônio de um filme do Ciclo do Recife) não foi por acaso: “A gente jura vingar como cineclube – porque três já dançaram – e jura vingar o público, por ter que aturar programações comerciais dos cinemas, apresentando só filmes de arte”, diz Marcelo.
Os vídeos – Abaixo, dicas sobre alguns dos filmes do novo cinema inglês que serão exibidos está semana, em vídeo, pelo cineclube Jurando Vingar:
Dançando com um estranho é a história da última execução feita, na Inglaterra, Ruth Ellis é enforcada por ter assassinado David Blakely, seu amante. Sua tragédia gerou tanta polêmica que acabou extinguindo a pena de morte no país. Um filme com atmosfera carregada que o improvável Mike Newell num dos prêmios da Quinzena de Realizadores de Cannes, em 85. Considerado, pelos críticos, uma ‘pérola’. Com Miranda Richardson e Rupert Everett.
“Prick up… (O amor não tem sexo) é uma história de amor louco entre um homem e outro homem. Tudo baseado em fatos reais. Os dois se conheceram na Academia Real de Arte Dramática e queriam ser famosos. Keneth recebeu uma herança e convidou Joe para morar com ele. Trocaram experiências, roubaram bibliotecas, foram presos juntos. Joe começou a escrever na prisão. Começou a ficar conhecido. A cada dia, sua fama ia aumentando, enquanto Keneth permanecia na obscuridade. A distância entre eles termina por ficar imensa” (F. de S. Paulo).
Vencedor do FestRio, em 1986, Minha adorável lavanderia é considerada uma das melhores produções do novo cinema inglês. A produtora Chanel 4, de Londres, queria um filme que falasse sobre a comunidade asiática na Inglaterra. A história gira em torno de Omar (Gordon Wernecke) e Johnny (Daniel Day Lewis) que se conhecem desde crianças e foram colegas de escola. Por intermédio de seu tio (Saeed Jaffrey) – um paquistanês enriquecido – Omar passa a dirigir uma lavanderia e chama seu amigo/namorado para ajudá-lo.
Programação da semana
23/2 – My Beautiful Laundrette (Minha adorável lavanderia, de Stephen Frears)
24/2 – Wish you Were Here (Gostaria que você estivesse aqui, de David Leland)
25/2 – Prick Up Your Ears (O amor não tem sexo, de Stephen Frears)
26/2 – Dance With a Stranger (Dançando com um estranho, de Mike Newell)
Horário – Sempre às 19h
Local – Cineteatro José Carlos Cavalcanti Borges – Fundaj – Derby
Preço – NCz$ 0,40 (a exibição de filmes em março custará NCz$ 0,80).
0 Comentários