22a Tiradentes (2019) – “A Rosa Azul de Novalis”
C* em evidência
Por Luiz Joaquim | 26.01.2019 (sábado)
Acima, na foto de Jackson Romanelli/Universo Produção, projeção de A rosa azul de Novalis no Cine-tenda
TIRADENTES (MG) – Encerrou ontem (25) a exibição competitiva do programa “Aurora”, na 22a Mostra de Cinema de Tiradentes, com pelo menos um dos dois longas-metragens mostrados decepcionando. Trata-se de A rosa azul de Novalis, codirigido por Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro (a outra obra foi o carioca Um filme de verão, de Jô Serfaty).
O peso da decepção recai aqui em função de uma expectativa sobre A rosa azul… após conhecermos o tocante Lembro mais dos corvos, filme anterior de Vinagre, exibido ano passado em Tiradentes – tendo premiado a atriz Júlia Katherine – e prestes a estrear no circuito comercial.
Assim como o filme anterior, A rosa azul… apresenta-se como uma espécie de documentário dramatizado, com o seu protagonista (Marcelo Diorio, também roteirista com Vinagre no novo filme) contando, diretamente para a câmera, suas memórias e/ou fantasias, ou as duas coisas simultaneamente.
Quanto a isso, a precisão (memória? fantasia?) não importa para a narrativa uma vez que ela, a narrativa, se sobrepõe ao cunho de verdade dos casos. Sendo aqui a verdade da narrativa mais determinante no que diz respeito ao envolvimento do espectador.
E nisso, A rosa azul…ê exitoso. Marcelo é preciso na cadência que estabelece ao expressar cada uma das revelações sobre seu personagem. São revelações (ou ao menos o tom é de revelação) interligando casos de sua família – avó, irmão, pai, mãe – que invariavelmente refletem ou sugerem explicar a respeito da sua sexualidade; ao mesmo tempo em que contextualiza a sua homossexualidade e preferências a partir de alguns casos ilustrados.
Aos poucos, o desenho desse homem erudito e sensível, em torno dos 40 anos de idade, ganha contornos mais fortes a partir do que ele acredita e não acredita. Entre suas crenças, a de que viveu vidas passadas, sendo uma delas a do poeta alemão Novalis, no século 18.
Novalis teria sido um artista, segundo Marcelo, o qual dedicou a vida em busca da “rosa azul”. O símbolo que representaria algo como o nirvana, uma catarse, um deus absoluto que daria sentido às coisas.
Assim como Júlia Katarina, o personagem de Marcelo cativa pela narrativa e pela força contida nos dramas vividos, mas, ao contrário de Júlia, Marcelo parece querer confrontar ou revidar em contrapartida aos sofrimentos do passado.
Numa das revelações, conta, na cama, vestido com um roupão, que pensou em gravar imagens dele fazendo sexo com outro homem para enviar ao seu pai; mas, logo em seguida, ele relativiza sobre a real validade dessa ação.
Essa relativização é um aspecto interessante de ressaltar uma vez que o começo e o fim de A rosa azul… estampa em primeiro plano a imagem do ânus (ou cu, para não sermos tão técnico e careta no termo) do protagonista. No início do filme, fechado; ao final, alargado por uma peça.
A alegoria não é, em princípio, um problema para sintetizar a ideia da “rosa azul” de Novalis. Mas, talvez, algo a ser questionado esteja exatamente nesta síntese.
As últimas palavras do filme ditas por Marcelo – sem não antes soltar um provocador e suspeito “esse filme tá muito careta” – é a fala: “A catarse é Deus. Deus é meu cu”. A conclusão vem com a câmera, por um zoom, “levando” todos os espectadores ao interior anal de Marcelo (para o seu Deus?).
Essa pode ser uma leitura equivocada em vários aspectos. Mas é uma leitura. Ela existe. E o ponto de questionamento que ela estimula está nesta invariável síntese que acaba por levar tantos e interessantes aspectos existenciais, (bem) postos por Marcelo ao longo do filme, em direção a um único elemento simbólico, sendo este sexual.
No contexto da poesia, a “rosa azul” poderia ser o pé do protagonista, uma vez que Marcelo, num momento anterior, também diz, peremptório: “eu sou o meu pé!”; mas tal parte do corpo talvez não surgisse imageticamente forte para compor a tal alegoria. Ou seria esse raciocínio uma bobagem? Incluindo “eu sou meu pé”? (é uma pergunta sincera).
Considerando ser cogitado que a leitura de um heterossexual sobre esta obra de Vinagre/Carneiro/Diorio possa deixar passar percepções que só um homossexual alcance para a síntese de A rosa azul de Novalis (circunstância que por si só já seria problemática), parece, mesmo assim, plausível que ao apostar na força da imagem final escolhida, o resultado tem mesmo uma amplitude mais estreita do que expansiva.
Entretanto, para o caso de ser exatamente esse (sublinhar com caneta piloto a importância do cu), então o filme dá o seu recado. Um recado modesto (tal qual é dado), é verdade, e, assim sendo, acredito que podemos dizer que temos aqui um tipo de insuficiência.
*Viagem a convite da Mostra
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