A Esposa
As mulheres poderão adorar este filme. Os homens deverão se remexer bastante na poltrona do cinema.
Por Luiz Joaquim | 11.01.2019 (sexta-feira)
As mulheres poderão adorar este filme. Os homens deverão se remexer bastante na poltrona do cinema. É claro que não iremos ser tão peremptórios no texto abaixo o quanto são as assertivas que abrem esta crítica.
Falamos de A esposa (The Wife, GB, Sué., EUA, 2017), filme do sueco Björn Runge, que entrou em cartaz no Brasil ontem (10), após a consagração de Glenn Close premiada no último domingo como melhor atriz dramática no 76o Globo de Ouro.
Em termos bem gerais, A esposa nos remete imediatamente a Grandes olhos (2014), de Tim Burton, mas sem os arroubos mirabolantes do criador de Edward Mãos de Tesoura.
Na verdade, há o oposto no filme de Runge se o pensamos nos termos de construção dramática. Há um esforço (alcançado) em trazer o contexto da esposa Joan (Close) com o seu marido Joe Castleman (Jonathan Pryce) para a realidade, ou para o reconhecimento da realidade de um casal de idosos de qualquer sociedade ocidental, casados há cerca de 35 anos.
Com a história ocorrendo em 1992, somos informados já de partida que Joe recebeu a maior honraria que um escritor pode ganhar nesse planeta: o prêmio Nobel da literatura. Todo o enredo será desenvolvido em torno da viagem que o casal faz a Estocolmo para a participar da cerimônia de premiação, acompanhados por David (Max Irons), filho mais novo do casal, que é ainda um escritor em formação.
Na mesma viagem está Nathaniel (Christian Slater). Biógrafo que, sem sucesso, assedia Joe há bastante tempo para escrever um livro sobre a sua vida.
Intercalado a esse contexto, A esposa vai também alimentando o espectador com pílulas de flashbacks a respeito de como se deu a aproximação do casal Joe e Joan na juventude, no final dos anos 1950. Na ocasião, ele um professor, ela sua aluna de literatura.
Dai por diante, podemos destacar que há dois grandes núcleos os quais A esposa se concentra em construir. Um, subjacente, é o dos bastidores de uma premiação de dimensão global. O roteiro de Jane Anderson, baseado no livro homônimo de Meg Wolitzer, é bastante meticuloso e atraente quando nos descortina os procedimentos e a extensão do que significa participar de um Nobel e do impacto na vida de seu contemplado.
A analogia destes bastidores poderia ser aplicada, sem nenhum prejuízo, a qualquer outro efeito de um prêmio cultural de mesma escala como, talvez, receber o título de melhor filme em Cannes, ou receber um Oscar de melhor filme em Hollywood.
O interessante aqui é como Runge nos faz sentir o mesmo que Joe e Joan diante de um acontecimento tão surreal na vida de qualquer pessoa, como por exemplo, virar a capa do domingo do The New York Times e receber uma honraria das mãos Rei da Suécia.
Ainda mais interessante e sutil (e por isso melhor) é como A esposa, nos dando essa perspectiva interna dos personagens diante desse circo que se monta, desdobra o quanto é esquisito uma pessoa que nos é tão próxima e comum – no caso, Joe (pela ótica de sua esposa e de nós espectadores) – tornar-se uma espécie de Deus de sua área a partir de um título que lhe é dado.
O segundo núcleo de concentração do filme – e este sendo de fato nuclear -, é a presença da esposa Joan ao lado do agora mundialmente aclamado Joe. Aos poucos, pelos constantes agradecimentos em público que o marido faz a sua esposa pelo suporte que ela representa em sua vida, vamos nos dando conta que sem ela, o talento do escrito não ganharia a vazão que ganhou.
Enquanto transcorre o filme, isso que soa como um belo gesto do marido vai se configurando como uma covardia. Algo que se revelará mesmo criminoso.
Nesse sentido, todas as sutilezas da interpretação de Close devem aqui ser celebradas. Close precisa (e consegue) trabalhar com o mínimo de inflexão nas informações que seu rosto expressa para cada tom de tensão que sobe entre os dois personagens, na medida em que ela (e nós) vamos nos dando conta da injustiça a qual se submeteu.
Uma, entre várias sequências, para um olho atento, pode ilustrar bem o que queremos apontar. Acontece quando, após uma discussão dura entre os dois, eles recebem a boa notícia de que seu primeiro neto acabara de nascer. O marido abraça a esposa sorrindo, e diz: “apesar de tudo tivemos uma vida feliz e abençoada”. Joan, nos braços de Joe, titubeia entre olhar direto nos olhos do marido e olhar para baixo enquanto processa a frase apaziguadora do marido.
A esposa, o filme, é muito potente ao estimular o espectador a pensar o quanto de autoria e de talento é ou foi dos grandes homens que criaram grandes obras, sejam culturais, científicas ou sociais. Uma vez que, muito provavelmente, os processos de construção dessas grandes obras guardam muito de uma coletividade criativa, para aqueles casais que criam juntos numa área de um mesmo campo específico.
Talvez apenas duas estruturas formais do roteiro de Anderson não deixem A esposa redondo o suficiente. Uma está na conveniência de ter um personagem como Nathaniel tentando, o tempo inteiro, desestruturar a família do escritor; e outra reside no drama da rejeição que o filho David sente, soando um tanto acima do tom, e não muito bem contextualizado. Há um aceno no filme para explicar isso. David não teria recebido a atenção da mãe o suficiente em sua criação? Ou a sombra do pai seria colossal demais para deixá-lo assim tão reativo? Essas respostas são, enfim, um aceno frágil.
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