Cine Holliúdy 2: A chibata sideral
A luta de um povo feio contra os alienígenas ‘fulerage’.
Por Luiz Joaquim | 21.03.2019 (quinta-feira)
Há um filme dentro do filme em Cine holliúdy 2: A chibata sideral (Bra., 2019). Nele, o personagem Franscisgleydisson (Edmilson Filho) dirige um coveiro (Milhem Cortaz) que interpreta Lampião. Numa determinada sequência, Lampião, empunhado com a sua peixeira, parte para lutar contra alienígenas. Mas, antes, olhando para a câmara- público, ele dá o seu grito de guerra. Diz algo como “Lutar sempre, Temer Jamais!”.
Se o ex-presidente da República Michel Temer (MDB) estava curioso para ir ver no cinema a nova presepada que Halder Gomes, diretor de Cine holliúdy 2, preparou, então se deu mal.
Quis o alinhamento dos astros que o ex-presidente fosse impedido de ir hoje em algum cinema de Brasília (onde o filme entra em cartaz, assim como no Nordeste) e perdesse a oportunidade de rir e de se chatear com cutucada política que o novo filme de Halder faz de forma espirituosa, já que Temer foi preso na manhã de hoje (21) pela polícia federal quando se dirigia ao aeroporto de Guarulhos (SP). Quem sabe se para viajar a Brasília e ver Cine holliúdy 2 ?
A prisão aconteceu em cumprimento a ordem do juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª vara Federal do Rio de Janeiro, após uma longa investigação ter concluído que Temer liderava uma quadrilha criminosa, atuando há 40 anos, tendo “prometido, pago ou desviado para o seu grupo criminoso mais de R$ 1,8 bilhão” em dinheiro público, conforme disse o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
E por que um filme de 2019 traz um grito de guerra desatualizado? Bem… a mais importante notícia policial do dia em que Holliúdy 2 estreia mostra que a palavra de ordem não está tão desatualizada. Mas a resposta estaria na dado de que o novo filme de Halder Gomes foi gravado no início de 2017, quando o “Fora Temer!” e seus derivados pipocavam em todos os recantos do País e além. Ou seja, o cinema é uma arte que se demora entre a sua concepção e a chegada ao seu destino.
O FILME – Além de Brasília, a nova aventura de Franscisgleydisson poderá ser vista hoje (21) apenas nos cinemas do Nordeste. Praças fortes, como as do Rio de Janeiro e São Paulo, só terão a chance de conferi-lo a partir de 4 de abril.
A estratégia é parecida com a que ajudou o sucesso de público do filme um, de 2013, quando primeiro estreou apenas no Ceará e depois no Nordeste para, só depois chegar ao resto do País. Tornou-se assim um reconhecido e respeitado fenômeno contemporâneo da comédia no cinema brasileiro.
O original Hollíudy (ler crítica aqui) fez a incrível bilheteria total de 483 mil espectadores, e quando estreou em 9 de agosto de 2013 no Ceará, em apenas dez salas, arregimentou quase 23 mil pagantes só nos três primeiros dias.
Hoje, o herói Franscisgleydisson está de volta ao mesmo pequeno município de Pacatuba (CE) do filme original. Estamos em 1980 e Francis perdeu a batalha contra a chegada da televisão instalada na pracinha da cidade.
Sua sala de cinema fechou e sua esposa Graciosa (Miriam Freeland) insiste que eles mudem para Fortaleza, onde o filho do casal Francin (Ariclenes Barroso, de Tatuagem) possa ir à faculdade estudar administração.
É quando o nosso herói, já morando de favor com a sogra (Gorete Milagres), passa por uma experiência de contato com extraterrestres e testemunha seu amigo, o papudinho da cidade Lhe Gue Lhé (o humorista João Netto, do personagem Zé Modesto), ser levado pelos alienígenas.
Após o susto inicial, Francis resolve transformar a experiência num filme, convoca os moradores mais feios de Pacatuba para compor o elenco e busca financiamento do prefeito Olegário (Roberto Bomtempo) e de sua esposa Justina (Samantha Schmütz), que é candidata nas próximas eleições para substituir o marido.
Além de Schmütz, temos de novo no elenco Milhem Cortaz e Chico Diaz. Este último é o Vei Góis, um artista plástico esotérico que ajuda na direção de arte do filme de Francis dentro do filme de Halder. Ao contrário de Cortaz, o talento de Diaz parece pouco aproveitado neste filme, uma vez que seu personagem tem pouca profundidade no enredo para o tamanho do artista.
Enquanto Diaz tinha pouco espaço para mergulhar em seu Véi Gois (referência a Van Gogh, que Halder Gomes tanto admira), Cortaz deitou e rolou no seu Zé Coveiro. É dele, nos entreveros junto a Francis, as melhores situações de Holliúdy 2, sem esquecer das entrevistas para a seleção de elenco (“o elenco mais feio do mundo”) que Franscisgleydisson promove.
Outras estrelas aqui, dignas de registro são, lógico, as figurinhas que configuram o humor cearense, já vistas no filme um. E aqui aparecem de volta até com mais interação no enredo, como os excelentes Bolachinha (vivendo Chico Creolina) e Haroldo Guimarães (na pele de Munizio e também de Orilaudo Lécio) além de, claro, Falcão (como o Cego Isaias), que já havia dado aos recifenses uma palhinha da canção do filme – Ô povo feio – quando esteve na capital pernambucana em 2017 ao lado de Halder e Edmilson para divulgar o então projeto em andamento no evento CCXP.
Cine holliúdy 2 só parece exceder-se em duas sequências que, se ausentes, não prejudicariam o enredo ou a fibra do humor na obra como um todo. São elas [as sequências]: a batalha entre os ETs e os cangaceiros no sonho-delírio de Francis; e a luta entre Graciosa e a candidata Justina.
Isto mesmo com Halder já tendo provado nos filmes anteriores ser um ótimo diretor de lutas – e ele reforça isso num outro momento de Holliúdy 2, quando brinca na montagem ao colocar Edmilson Filho lutando contra si próprio, na pele de Franscisgleydisson e também do fanho Pastor Esmeraldo.
Ao contrário do Holliúdy original, quando Halder distribui pela extensão de seu roteiro todo o humor do filme com muita organicidade – e assim estimulando a curiosidade para o grand finale, que vem a ser a inauguração do cinema de Francis -, no filme 2, aquele que seria o seu grand finale – a estreia em Pacatuba do mambembe filme de Francis – não chega com tanta força em sua graça como já havia chegado algumas sequências anteriores do próprio Holliúdy 2.
De qualquer forma, não é pequena, aqui, a imaginação e o talento humorísticos de Halder Gomes. E se duvidam, saibam que até um famoso cineasta norte-americano chamado Steven (interpretado pelo crítico e curador cearense Pedro Azevedo) se envolve com os acontecimentos ocorridos em Pacatuba.
Ou seja, a nova ‘fulerage’ de Franscisgleydisson – também legendada, como no filme de 2013, para que os sudestinos entendam o dialeto cearense – é, de qualquer maneira, muito bem-vindo para o mercado nacional por sua inventividade e originalidade.
Principalmente quando consideramos o cenário humorístico deste mercado, marcadamente definido (com poucas exceções) pela limitação da graça de um ator travestido de mãe com um constante mau humor e grosseria, ou de mulheres que querem um namorado, ou, por fim, de mulheres que separam do marido e passam a correr atrás do tempo perdido. Lembrando que aqui o problema não são os motes temáticos, mas sua limitação e o pobre e mal aproveitado humor reincidente.
A propósito, para qual país você aposta que será o destino de Alice, a protagonista de De pernas pro ar, no filme 4? Itália? Inglaterra? Talvez descubra-se que a verdadeira graça do contemporâneo cinema brasileiro está logo ali. No Ceará.
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