Megarromântico VS Minha Vida em Marte
Sobre dois produtos que se autocompletam, feitos por encomenda para os dias de hoje.
Por Luiz Joaquim | 03.03.2019 (domingo)
Duas comédias românticas de 2019 guardam entre si similaridades bastante simbólicas a respeito de como o mercado dá a mídia o que a mídia pede; ou, elaborando melhor, como o cinema mainstream corre atrás de projetos que ofereçam o que a sociedade estabelece, em seu tempo, como prioritário. Mais: como obrigatório.
Uma delas – Megarromântico (Isn’t It Romantic, EUA, 2019), de Todd Strauss Shulson – ficou disponível no catálogo brasileiro da Netflix há três dias, na última quinta-feira (28/2). A outra – Minha vida em Marte (Bra., 2018), de Susana Garcia – é já um comprovado sucesso de bilheteria, tendo levado 5.153.340 espetadores nos dois meses que está em cartaz no Brasil.
Filmes assim não nascem de uma ideia cinematográfica, mas de uma necessidade comercial. Muito embora um caso não é necessariamente excludente do outro. Explicamos. O projeto de um filme pode surgir de olho numa demanda comercial específica e, ainda assim, tornar-se algo inesquecível no universo do cinema. Exemplo entre comédias românticas? Podemos citar duas dúzias, pois o gênero já vem com quase 80 anos de produções. Aqui vão duas: Levada da breca (1938), de Howard Hawks, e A princesa e o plebeu (1953), de William Wyler.
Alguns leitores deverão acusar: “Mas assim não vale, comparar obras de Hawks e Wyler com as comedias românticas de hoje!”. A acusação é frágil, pois a responsabilidade pela falcatrua que caracteriza as atuais comédias românticas não é de responsabilidade de Hawks ou de Wyler, mas de seus autores e produtores de hoje. E, para os ainda inconformados com a analogia, deixo uma dica contemporânea de um diretor desconhecido de comédia romântica consistente: Cashback (2006), de Sean Ellis.
Mas… falcatrua? Sim. Ambos projetos, norte-americano e brasileiro, são produtos que se escoram em estrelas da TV (Rebel Wilson) e do teatro (Paulo Gustavo, tendo passado também pela TV, e hoje já reconhecido como mina de ouro no cinema nacional) para gerar mais popularidade a estas estrelas, seus correlatos e, principalmente, mais $$$.
E qual o problema em gerar mais $$$? Nenhum. O mestre Jerry Lewis era um gênio nesse campo. O incômodo está apenas em criar, pelo e a partir do cinema, um fenômeno sobre um produto pobre em todos os aspectos cinematográficos (falamos agora especificamente de Minha vida em Marte).
É difícil resenhar sobre Minha vida… uma vez que não há muito o que extrair disto como sumo, a não ser ressaltar o constante mau-humor, grosseria e futilidade do personagem de Gustavo (na verdade, essa é a chave que o ator encontrou para seu sucesso), e a idiossincrasia juvenil da protagonista Fernanda (Mônica Martelli), uma mulher de 45 anos que quer salvar o casamento de oito.
Ao final, sem não antes dar um pulo em Nova Iorque (no processo da separação) para fazer uma selfie no Central Park, Fernanda decide que o importante é se sentir livre e amar a si mesma e “terminar” sozinha, sob a luz do Rio de Janeiro tomando banho de mar com o amigo gay extravagante. Enquanto o espectador é maltratado por uma narração em off de um texto que talvez só não fosse constrangedor se estivesse saindo de bocas adolescentes de 15 anos.
Ver Minha vida… e Megarromântico sequenciados seria uma experiência interessante uma vez que se retroalimentam naquilo que acreditam, ou melhor, naquilo que é preciso acreditar para fazer sentido no mercado exibidor.
Tal qual Fernanda, Natalie (Rebel Wilson), em Megarromântico, passa por um processo de questionamento sobre o amor, para chegar na conclusão que o bacana mesmo é amar a si própria e “terminar” sozinha.
O filme ao menos tem personalidade forte pois a reviravolta na vida da cética arquiteta Natalie se dá após um assalto no metrô quando sofre uma pancada na cabeça e a partir daí ela passa a viver numa espécie de universo paralelo. Lá, todos os homens se interessam por ela. Coisa que no seu mundo, antes da pancada, era algo impossível pois Natalie era “invisível” e explorada por não encaixar em padrões de beleza estabelecidos.
A (boa) chave do filme – e que até poderia torná-lo uma referência no gênero – está na razão pela qual Natalie nega o romantismo no cinema. Ela lista, em conversa com uma amiga do trabalho, todos os clichês das personagens femininas em comédias românticas.
Isto inclui, ter uma colega rival no trabalho, ter alguma sequência musical, ter um cômico amigo gay extravagante que estará sempre ao seu lado lhe apoiando (mas que ele, em si, não tem nenhuma consistência como personagem crível – sem conflitos, sem vida íntima, sem história, apenas alegre e ali de prontidão para ajudar) e ter uma pessoa legal para se apaixonar próxima a ela, mas que ela não consegue enxergar pois o foco está em outro lugar.
Neste diálogo, é como se Natalie tivesse visto Minha vida em Marte e o estivesse descrevendo.
Mulheres a frente de seu destino. É assim que deve ser. Sempre. Seria bacana, apenas, que o cinema (principalmente o brasileiro) oferecesse produtos cômicos mais equilibrados. Alguns trabalhos já chegaram perto, e aqui mesmo no Brasil com o, ainda que irregular, Mulheres alteradas (2018), de Luís Pinheiro, pelo qual Alessandra Negrini faz brilhar o seu talento sobre um roteiro divertido.
“Ah, o amor não precisa ter coerência”, poderão argumentar agora em defesa dos dois filmes.
Ok. Mas é bom que o cinema guarde alguma.
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