69. Cannes (2016) – Kleber Mendonça Filho
“Klebinho”, redesenhando uma nova ideia para o conceito do “contemporâneo cinema brasileiro”.
Por Luiz Joaquim | 12.05.2019 (domingo)
– texto produzido para a edição de maio de 2016 para a revista Continente.
No Recife de 1979, um menino de dez anos de idade sempre prestava muita atenção no que os cadernos de cultura do Diário de Pernambuco e do Jornal do Commercio publicavam sobre cinema. Foi naquele ano, no mês de maio, que pela primeira vez o nome “Festival de Cannes” lhe chamou a atenção.
“Eu li uma matéria, que não lembro se era de Celso Marconi ou de [Fernando] Spencer, a qual falava de O tambor e de Apocalypse now como sendo os vencedores do festival. Depois, também no jornal, vi uma propaganda gigante do filme Hair, em cartaz no Recife, e lá tinha a palavra hors-concours embaixo do símbolo do festival. Perguntei a minha mãe o que hors-concours significava. Ela disse que era algo que não participava de concurso, mas não por ser ruim, e sim por ser tão bom que nem dava para rotular”.
A mãe chamava-se Joselice. O filho, Klebinho.
37 anos depois, o mesmo menino, Kleber Mendonça Filho, atravessa neste mês de maio o tapete vermelho que leva ao Palácio dos Festivais na 69ª edição – entre 11 e 22 de maio – do mesmo festival que apresentou ao mundo, naquele mesmo auditório, os filmes de Volker Schlöndorff, Francis Ford Coppola e Milos Forman citados acima.
Com a seleção de Aquarius, o terceiro longa-metragem de Kleber (segundo como ficção), constando entre os 20 títulos escolhidos para concorrer na mostra oficial 2016 ao prêmio máximo do festival, a Palma de Ouro, o realizador parece abrir um precedente no cinema brasileiro que já vinha sendo desenhado ao longo dos últimos dez anos.
O precedente de que uma geração de realizadores brasileiros, entre 40 e 50 anos de idade, está nascendo aos olhos do mundo. E com um cinema muito particular, inovador e maduro.
Não que a cinematografia nacional ainda não tenha encontrado reconhecimento no exterior por meio de talentos até mais jovens, mas essa geração a qual Kleber pertence, ao chegar em Cannes (o topo do mundo cinematográfico), é como se o pernambucano desse um recado universal de que há um cinema sendo feito pelos seus pares no Brasil que pode relativizar ou redesenhar uma nova ideia para o conceito do “contemporâneo cinema brasileiro” que circula lá fora.
Uma ideia diferente da fortemente estabelecida no exterior pelo estereótipo do “favela movie”; não por acaso inaugurado por um título que explodiu para o mundo também no Festival de Cannes – Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Katia Lund -, lá exibido, mas fora de competição, em 2002.
Quem primeiro chamou a atenção para esse específico momento histórico, que estamos testemunhando neste maio, foi o baiano Cláudio Marques que, na mesma faixa etária de Kleber, depurou bastante seu primeiro longa-metragem; o premiado Depois da chuva, co-dirigido com Marília Hughes e lançado em janeiro do ano passado.
“Há dez anos, eu viajava pelo mundo com meu curta Eletrodoméstica e já havia uma cobrança natural das pessoas pelo meu primeiro longa”, recorda Kleber. “Junto comigo, estavam Marco Dutra, Juliana Rojas, Helvécio Marins, Clarissa Campolina, Felipe Barbosa, e eu sentia que a gente tava numa linha de montagem, nos preparando para mudarmos para a próxima e natural fileira”, pontua.
“Depois de quatro anos começaram a surgir os trabalhos em longa-metragem e era como se o cinema brasileiro estivesse mudando a ficha. Muito diferente daquela que eu via nos anos 1990, quando quase nada me atraía ao iniciar como crítico de cinema”, concluiu Klebinho que, com seu exemplo, pode estar influenciando neste exato momento um leitor de dez anos de idade da Continente.
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