23. Cine-PE (2019) – noite 1 – “Frei Damião”
Deby Brennand apresenta a fé e a beleza de Frei Damião. Graça Araújo se despede do festival.
Por Luiz Joaquim | 30.07.2019 (terça-feira)
Foi um tanto inesperado e, por que não dizer, um pouco no susto como aconteceu a abertura da 23ª edição do Cine-PE: Festival do Audiovisual. No canto direito do palco do Cine São Luiz (Recife), onde se coloca o apresentador, surgiu, após o apagar das luzes do auditório, uma imagem projetada sugerindo ser a jornalista Graça Araújo (falecida em 8 de setembro do ano passado) num painel em tamanho natural.
Ela falava à plateia “Eu sempre estive com vocês nesses 22 anos, neste ano não poderia ser diferente”. A voz da tradicional cerimonialista do Cine-PE dizia em, texto contemporâneo, sobre sua relação com o festival e encerrou convidando a atriz Nínive Caldas para assumir o seu posto na apresentação do evento. Na verdade, a voz que se ouvia, era a de um amigo muito querido de Graça (hoje residindo em Vancouver) que, como lembrou a diretora do Cine-PE, Sandra Bertini, divertia a todos nos bastidores imitando a entonação da voz da apresentadora. A homenagem ao rosto e a voz que acompanhou o Cine-PE por toda sua existência incluiu um vídeo produzido pelo site ‘LeiaJa’ e a entrega do troféu Calunga de Ouro a irmã da jornalista.
FILMES – Como pontuou Nínive em sua primeira fala como apresentadora empossada, a noite de ontem (29) foi de filmes pernambucanos (dois) e dirigidos por mulheres. O curta-metragem Parto Sim!, da veterana Katia Mesel exibiu em caráter hor-concours, assim como o longa-metragem que veio a seguir, de Deby Brennand, Frei Damião, o Santo do Nordeste.
Katia chama atenção em seu filme para algo sério a ser resolvido. Diz respeito ao fato de que grávidas precisam deixar o arquipélago de Fernando de Noronha aos sete meses de gravidez para parir no Recife, uma vez que não há estrutura hospitalar na ilha. A cineasta constrói a problemática a partir de uma ficção. A dramatização apresenta uma sobrinha voltando do Canadá, hospedando-se na casa da tia em Noronha, para ajudar a prima em sua gestação.
Já exibido no 12º Curta Taquary, o mais novo filme de Kátia peca em ao menos dois aspectos que se destacam por motivos ruins. Um: o roteiro introduz em diálogos duros informações sobre a ilha de forma quase didática que, por maior esforço que suas atrizes apliquem para torná-los coloquiais, dentro do esperado numa conversa, no final não acabam soando coloquiais mas sim professorais.
Um segundo aspecto diz respeito a dramaturgia de um modo geral e mais particularmente numa espécie de ponto de virada dramático dentro do enredo, quando um segredo é revelado sobre o passado da protagonista. Apesar de possível a mise-en-scène criada para esta situação não a deixa circunstancialmente crível. Pelo contrário. E isso é algo muito ruim a acontecer para qualquer personagem sobre o qual se quer que se tenha empatia.
Na sequência, tivemos o novo filme de Deby, já premiada em 2016 neste mesmo festival pelo documentário Danado de bom. Com Frei Damião, o Santo do Nordeste fica clara a evolução da cineasta. Retratar qualquer homem nunca é tarefa fácil. Retratar mártires é ainda mais delicado.
Deby resolveu o seu filme de maneira elegante com, talvez, um ou outro excesso de informações na tela das diversas regiões que visitou, considerando a origem italiana do capuchinho cinebiografado. Nada, entretanto, que truncasse a fluidez da narrativa.
Há também alguns tesouros no filme, que são bem aproveitados. Um deles são diversas imagens raras de suas infinitas missões no Nordeste nos anos 1960. O material captado por Otacílio Cartaxo e Machado Bitencourt, deveria tornar-se um documentário que nunca foi realizado até Deby retomá-los. Há ainda imagens em VHS feitas até os anos 1990, que ganham um tratamento fantasmagórico, bonito, comovente, quando embalados pela trilha-sonora de Piero Bianchi.
Da essência do longa-metragem devemos extrair a essência de seu protagonista, e o filme de Deby nos permite isso. A pesquisa feita pela cineasta e sua equipe ficou impressa na película, com partes fundamentais da vida do frei contempladas aqui. Mais do que isso, Deby conseguiu mostrar que, santo ou não, Pio Gianotti (nome de batismo de Frei Damião) era um ser humano de fé e devoção fora do ordinário, tendo a humildade e a simplicidade como balizadores para seu ofício. E seu ofício era servir de alívio ao povo, aos pobre.
Independente da religião, concordaremos, não há nada mais nobre do que isto. E Frei Damião, o Santo do Nordeste nos reforça, belamente, essa verdade.
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