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Festivais

23. Cine-PE (2019) ‘Vidas descartáveis’ e ‘1/86’

Dois longas-metragens apaixonados por si próprios

Por Luiz Joaquim | 02.08.2019 (sexta-feira)

– na foto, Talita Feuser, protagonista de 1/86, em foto de Felipe Souto Maior, em entrevista coletiva hoje (2) no Recife

Exibidos respectivamente na quarta-feira (31/7) e ontem (1º) dentro da mostra competitiva do 23º CinePE: Festival do Audiovisual, os longas-metragens cariocas Vidas descartáveis, documentário de Alexandre Valenti e Alberto Graça, e 1/86, ficção de Felipe Leibold, formam uma parte curiosa da atual produção cinematografia brasileira. Uma que que dificilmente chega às salas cinema, ainda que tenham sido feitos com o objeto de chega lá.

Feitos com poucos recursos, ambos filmes são frutos de uma paixão por um assunto específico – no primeiro filme, social, no segundo, estético -, e, curiosamente, poderiam funcionar em outro suporte de difusão que não fosse o de uma sala de cinema.

Vidas descartáveis, por exemplo, é um excelente trabalho de pesquisa, de investigação e de captação de depoimentos sobre um tema urgente, gritante em sua importância: “o trabalho escravo moderno no Brasil”. Ao mesmo tempo, em sua estrutura formal, sempre amparada por cansativas imagens feitas por um drone, as quais nos chegam sempre embaladas por uma trilha sonora autoindulgente em sua grandiloquência inapropriada, o filme encolhe diante de nossos olhos.

De qualquer forma, quem o acesse não deverá esquecer (e talvez possa acordar para as atrocidades do atual governo neste campo) a respeito dos três casos que Vidas descartáveis usa como ilustração para o seu ponto de interrogação. A começar pelo emblemático caso da Fazenda Brasil Verde, no Pará, tendo ganhado a mídia no ano 2000, e que serve ainda hoje como exemplo jurídico emblemático, até chegar à exploração (escravidão, é o termo correto) de empresas clandestinas que mantinha (mantém!) sob seu julgo estrangeiros latinos trabalhando na confecção de roupas. O filme dá nome, inclusive, a marcas famosas da moda que supostamente estiveram envolvidas na questão, como a M. Oficcer e a espanhola Zara.

1/86 (leia ‘um e oitenta e seis avos’) flerta com um universo cujo desenho mais curto para defini-lo seja talvez aquele cinema feito por David Lynch. Mas Leibold ainda tem muito chão a correr. Mesmo assim, sua ficção é curiosa o suficiente para nos interessarmos pelas suas personagens e seu universo bem particular.

Uma mulher sem nome (Talita Feuser, segurando bem o que lhe coube) que se divide entre cuidar da mãe Amélia (Débora Duarte) deprimida pela morte do cachorro querido, e frequentar médicos para tentar descobrir porque não tem órgãos internos em corpo.

O enredo também traz sua vizinha, outra sem nome (Luiza Lamoglia), que serve primeiro com interlocutora da mulher – de modo que possamos (espectadores) ir descobrindo sutilezas da mulher, junto com a vizinha. Num segundo momento, vizinha ganha um outro status no enredo, dividindo a personalidade feminina de 1/86 entre aquilo que pode ser definido (pelo próprio filme) como ‘água’ e ‘ar’.

A amizade entre a mulher morena e a vizinha loira (artificial), e tudo o de inusitado do que elas apresentam sobre si e a si, nos remetem, sutilmente, é verdade, a Cidade dos sonhos. Mas Leibold, dono de cuidados na composição fotográfica, sob o comando de Leonardo Iglesias, parece perde alguns condimentos (talvez estéticos) na segunda parte de seu 1/86, deixando o destino de sua mulher e sua vizinha já não tão valiosos assim.

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