47. Gramado (2019) – “Raia 4” & “Legalidade”
Sobre um menina solitária; sobre uma homenagem a Leo Machado e sobre a presença de um político em Gramado
Por Luiz Joaquim | 19.08.2019 (segunda-feira)
– acima, still de Raia 4
GRAMADO (RS) – O segundo longa-metragem brasileiro exibido na competição do 47o Festival de Cinema de Gramado é do Rio Grande do Sul, exibiu no sábado (17) e reuniu uma boa torcida juvenil no auditório do Palácio dos Festivais.
Raia 4, de Emiliano Cunha, segue a menina Amanda (a ótima Brídia Moni), prestes a completar 13 anos e dividida entre as descobertas sexuais e as pressões habituais que uma atleta de natação sofre nos dias que antecedem uma grande competição.
O ambiente aqui é o juvenil, com a natural tensão sexual, de hormônios pululantes a toda hora e a pressão competitiva entre as meninas, mas tudo sob a ótica da tímida, silenciosa e ensimesmada Amanda.
O roteiro, também de Cunha, ainda acrescenta um pai e uma mãe (Fernanda Chicolet) ausentes. Eles são médicos, constantemente trabalhando, que mal percebem as transformações da filha. Ao mesmo tempo, Amanda faz questão de não compartilhar sua intimidade com ninguém.
O aspecto mais marcante aqui é o da solidão e Raia 4 desenha essa perspectiva muito metodicamente (num bom sentido), com a ambientação na piscina como um elemento de escape. É lá, no fundo da piscina, prendendo a respiração, onde Amanda se sente mais confortável.
Emiliano fez um filme de sugestões visuais bem definidas e apresenta um final inesperado, que envolve Amanda e sua melhor amiga de treino Priscila (Kethelen Guadagnini). Essa, mais desenvolvida que Amanda no campo sexual e na natação.
Em coletiva na manhã de ontem (18), Emiliano lembrou de uma referência colocada por Hilton Lacerda durante um laboratório de roteiro realizado em Curitiba que joga uma luz sobre o final polêmico do filme.
“Hilton disse que o Boto Rosa, ao encontrar um animal menor, leva ele para o fundo do rio para brincar e acaba o maltratando sem se dar conta”. O realizador também destacou a beleza plástica do último movimento subaquático de Amanda, formando uma imagem dupla, espelhada com a superfície da água, remetendo à figura de uma borboleta. A beleza plástica sugere uma passagem para uma outra fase da vida daquela jovem. É uma bela leitura, para um filme de belas atmosferas e elenco afiado.
POLITICA – Não há um único cineasta que suba ao palco do Palácio dos Festivais para apresentar seu filme e não deixe lá seu recado contra o posicionamento deteriorador do governo federal em relação às políticas do audiovisual para o Brasil.
E na noite de ontem (18), a temperatura aumentou ainda mais com a presença do Ciro Gomes, vice-presidente do PDT, que veio à Gramado prestigiar a sessão do filme Legalidade, de Zeca Brito. A obra dramatiza a “Campanha da Legalidade”, em 1961, liderada pelo lendário refundador e presidente do PDT, Leonel Brizola (1922-2004), para garantir a posse do vice-presidente João Goulart por ocasião da renúncia de Jânio Quadros.
Na chegada ao Palácio dos Festivais, enquanto Ciro Gomes passava pelo tapete vermelho, populares gritavam palavras de ordem pró-Bolsonaro, enquanto Ciro respondia num gesto com a mão, que representava a ladroagem.
Dentro do cinema, a apresentação de Legalidade foi marcada por outro tipo de emoção. A exibição do filme inédito fazia parte de uma homenagem ao ator Leo Machado (vivendo Brizola, neste que foi seu último trabalho no cinema).
Leo, falecido em outubro último, aos 42 anos, era um artista bastante querido no Sul e também um símbolo para Gramado, uma vez que foi a o mestre de cerimônias por aqui entre 2010 e 2018. Legalidade conta no elenco com Cleo (antes conhecida como Cléo Pires), Letícia Sabatella, Fernando Alves Pinto, José Henrique Ligabue e Paulo César Pereio. O filme entra em cartaz no circuito comercial dia 12 de setembro. Para ler mais sobre Legalidade, clique aqui.
Antes do filme político, exibiu o longa argentino, em competição, La forma de las horas, de Paula de Luque, com Julieta Diaz, Jean Pierre Noher e Maria Paula Robles no elenco. O filme é um grande exercício narrativo, pela sua montagem, criando camadas sobre um mesmo tema – a separação de um casal maduro, num período de 24 horas – e tendo a abstração da ideia do tempo para imprimir sensações no espectador sobre os sentimentos dos personagens.
– Viagem a convite do festival
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