Era uma vez em… Hollywood
Você irá ver de qualquer forma. É um Tarantino. Isso traz tantos sentidos que nem sempre nos damos conta
Por Luiz Joaquim | 07.09.2019 (sábado)
É sempre traiçoeiro analisar uma obra de Quentin Tarantino: esse Dândi cinematográfico norte-americano do mundo moderno, incensado pela mídia especializada ao redor do mundo há pelo menos 25 anos – sendo, na maioria das vezes, justificadamente.
Em seu nono longa-metragem – Era uma vez em… Hollywood (Once upon a time in… Hollywood, EUA, 2019) – o mundo dividiu-se entre celebrar este novo rebento e condená-lo. Como um “mais do mesmo”. Como se Tarantino tivesse esgotado aquilo que chamam, equivocadamente, de fórmula; e que poderíamos estabelecer, mais responsavelmente, como estilo. Com o adendo que ‘estilo’ não se deteriora. ‘Fórmula’, sim.
Mas o que conseguimos perceber ao olharmos pelo tiroteio entre prós e contra para Era uma vez… é que aqui há mais um passo, firme, dado por seu autor em direção a um amadurecimento como homem que pensa cinema.
Era uma vez… é claramente um trabalho que evolui na cabeça de quem o vê ao longo dos dias após sair da sala de cinema. O que Tarantino nos dá aqui são imagens que surgem, a princípio simples, mas que, revisitadas por um segundo pensamento, revelam-se tão firmes, marcantes, donas de personalidade e contributivas ao enredo que se quer contar ali, que, por elas, entrevemos o sujeito consciente da capacidade que contém estas imagens; e o seu respectivo encadeamento cinematográfico.
Planos “inocentes”, como os abertos em que vemos o dublê Cliff (Brad Pitt, absolutamente à vontade), de corpo inteiro, ao longe, caminhando lentamente em direção a câmera, ou, de costas, afastando-se dela, não apenas emprestam uma sugestão de ‘tempo’ distinta, como também uma sugestão de realidade dramática para a cena como não se vê num pretenso cinema moderno – alucinado/alucinógeno – que nos é vendido na segunda metade desta década.
Sequências em que Leonardo DiCaprio (cada vez melhor) precisa imprimir a seu personagem Rick, um o astro de tevê em decadência ou, como queiram, em transição em sua carreira, alternando entre uma performance canastrona com outra absolutamente convincente e emocionante são um presente ao ator DiCaprio. Presente em termos de desafio, do qual quem sai presenteado mesmo é o espectador com tal equilíbrio na performance apresentada. Para exemplificar o caso, podemos lembrar dos altos e baixos de Rick tentando acertar o tom de seu primeiro vilão, num faroeste duvidoso.
O faroeste hollywoodiano, falso, em que Rick atua, e toda a sua ambiência, servem de introdução a outra sequência que Tarantino desenha lindamente no mundo moderno (no caso, 1969, em Los Angeles), quando Cliff desconfia de um grupo de hippies liderados por Charles Manson (antes do acontecimento vinculado a Sharon Tate) habitando em um rancho de um velho amigo (Bruce Dern), que antes servia de locação para filmes.
Toda a construção da tensão e conflito ali sugeridos dialoga intimamente com um legado histórico deixado por Hollywood com a ideia que temos até hoje sobre westerns.
Uma outra felicidade em Era uma vez… a muito boa apresentação de personagens inusitados, talvez uma assinatura de Tarantino, como temos com a hippie Pussycat (que nome!), vivida pela ótima Margaret Qualley – guardem esse nome, inclusive como indicação ao Oscar coadjuvante em 2020.
Tarantino fez aqui por Qualley o que Ridley Scott fez por Brad Pitt há 28 anos em Thelma & Louise; ou seja, apresentou seu talento ao mundo e igualmente, como um caroneiro inconsequente. São pontos de inflexão na carreira de atores, que podem tornar-se estrelas. E talvez estejamos testemunhando isso neste exato momento. Em cartaz, nos cinemas.
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